Uma historia pouco lembrada ou conhecida dos tempos do império.

Um próspero fazendeiro e banqueiro do Brasil nos
tempos do Império, dono de imensas fazendas de café,
centenas de escravos,
empresas, palácios, estradas de ferro, usina
hidrelétrica e, para completar a cereja do bolo, de
um título de barão concedido pela
própria Princesa Isabel. A biografia do empresário
mineiro Francisco Paulo de Almeida, o Barão de
Guaraciaba, não seria muito
diferente de outros nobres da época não fosse um
detalhe importante: ele era negro em um país de
escravos.
Com um patrimônio acumulado de 700 mil contos de
réis, que garantia ao dono status de bilionário na
época em que viveu, Almeida
nasceu em Lagoa Dourada, na época um arraial próximo
a São João del Rei, no interior de Minas Gerais, em
1826.
A origem da sua família é pouco conhecida. Filho de
um modesto comerciante local chamado Antônio José de
Almeida, na certidão de
batismo consta como nome da mãe apenas "Palolina",
que teria sido uma escrava. "Infelizmente não
sabemos o destino de Palolina e a
quem ela pertencia, mas, sim, ela era escrava",
afirma o historiador Carlos Alberto Dias Ferreira,
autor do livro Barão de
Guaraciaba - Um Negro no Brasil Império.
O nome, porém, provoca discussões entre os
descendentes do barão, já que, por um erro de grafia
no registro, "Palolina", na
verdade, seria Galdina Alberta do Espirito Santo,
esposa de Antônio e considerada pelo próprio barão
sua legítima mãe. "Certamente
seu pai ou mãe tinham ascendência negra, mas não
existe nenhum registro provando que ele era filho de
escravo ou escrava", afirma a
trineta do barão e guardiã da história da família
Ainda na adolescência, Almeida começou a vida como
ourives fabricando botões e abotoaduras em sua terra
natal, na região aurífera
de Minas. Nos intervalos, tocava violino em
enterros, onde recebia algumas moedas como pagamento
e os tocos das velas que sobravam
do funeral, que utilizava para estudar à noite. Por
volta dos 15 anos, tornou-se tropeiro entre Minas e
a Corte, no Rio de Janeiro.

Nessas idas e vindas, ganhou dinheiro comprando e
vendendo gado, conheceu muitos fazendeiros e
negociantes nos caminhos das tropas
e começou a comprar terras na região de Valença, no
interior fluminense, para plantar café.
Após casar-se com dona Brasília Eugênia de Almeida,
com quem teve 16 filhos, tornou-se sócio do seu
sogro, que também era
fazendeiro e negociante no Rio de Janeiro.
Após a morte do sogro, assumiu todos os negócios e
sua fortuna disparou: comprou sete fazendas de café
espalhadas pelo Vale do
Paraíba fluminense e interior de Minas. Apenas na
fazenda Veneza, em Valença, possuía mais de 400 mil
pés de café e cerca de 200
escravos. Levando-se em consideração que ele tinha
outras áreas produtoras de café, o barão pode ter
tido até mil escravos, segundo
Ferreira.
"Não se trata de uma contradição ele ter sido negro
e dono de escravos, pois tinha consciência do
período em que vivia e precisava
de mão de obra para tocar suas fazendas. E a mão de
obra disponível era a escrava", diz Ferreira.

"Ainda que nos cause repúdio hoje em dia, o contexto
de escravidão era uma coisa normal e era mão de obra
que existia naquele
tempo", completa Mônica, que prepara uma biografia
do seu ancestral, ainda sem data para ser publicada.
Em sociedade com outros empreendedores com quem
mantinha contato, Guaraciaba tornou-se banqueiro e
fundou dois bancos: o Mercantil
de Minas Gerais e o Banco de Crédito Real de Minas
Gerais. A diversificação empresarial não parou por
aí.
Em um período em que as ferrovias começavam a rasgar
o território nacional, participou da construção da
Estrada de Ferro Santa
Isabel do Rio Preto (depois incorporada pela Rede
Mineira de Viação), cujos trilhos passavam por suas
propriedades, em Valença.
A ferrovia, que ligava Valença a Barra do Piraí e se
tornou importante para escoar o café do Vale do
Paraíba, foi inaugurada por D.
Pedro 2º em 1883. Teriam começado aí as boas
relações entre Guaraciaba e a família real, que
culminariam na concessão do título de
barão pela princesa Isabel, regente na ausência do
pai, em 1887.
O título foi concedido por "merecimento e
dignidade", em especial pela dedicação de Guaraciaba
à Santa Casa de Valença, onde foi
provedor. Mas entrar para a nobreza tinha um custo
fixo e tabelado pela Corte: 750 mil réis.
Sempre atento às oportunidades de negócios que
chegavam com o progresso, Almeida foi sócio fundador
da primeira usina hidrelétrica
do país, inaugurada em 1889, em Juiz de Fora (MG). A
Companhia Mineira de Eletricidade, que construiu a
usina, também foi
responsável pela iluminação pública elétrica em Juiz
de Fora. O barão, claro, foi um dos participantes e
financiadores da
modernidade que aumentou o conforto da população.
Dono de um estilo de vida condizente com a nobreza
imperial, o Barão de Guaraciaba possuía uma
confortável residência na Tijuca, no
Rio de Janeiro, e outra em Petrópolis, destino de
veraneio preferido dos ricos e da nobreza.
Na cidade serrana construiu uma mansão que
posteriormente foi chamada de Palácio Amarelo e que
hoje abriga a Câmara Municipal.
Também fazia diversas viagens para a Europa,
principalmente para Paris, para onde mandou seus
filhos para estudar.

"Guaraciaba distinguiu-se por ter sido
financeiramente o mais bem-sucedido negro do Brasil
pré-republicano. Ele se tornou o
primeiro barão negro do Império, notabilizando-se
pela beneficência em favor das Santas Casas", afirma
a historiadora e escritora
Mary Del Priore.
Segundo ela, Almeida fazia parte de um pequeno grupo
de mestiços de origem africana que conseguiram
ascender financeira e
socialmente.
O racismo, porém, permanecia arraigado na sociedade
brasileira, independentemente da posição financeira,
diz Priore. Alguns desses
empreendedores, a exemplo do Barão de Guaraciaba,
conquistaram ou compraram seus títulos de nobreza
junto ao Império, sendo por
isso chamados na época de "barões de chocolate", em
alusão ao tom da pele.
"O sangue negro corria nas melhores famílias. Não
faltavam casamentos de 'barões de chocolate' com
brancas", completa a
historiadora.
Após a proclamação da República, Guaraciaba começou
a se desfazer dos seus bens, mas viveu uma vida
bastante confortável até
morrer, na casa de uma das filhas, no Rio de
Janeiro, em 1901, aos 75 anos.
Seus herdeiros, inclusive alguns ex-escravos
agraciados pelo dono e que permaneceram com o patrão
após a alforria, receberam
dinheiro e propriedades, e se espalharam pelos
Estados do Rio de Janeiro e Minas Gerais.