A pátria amada não existiria: estaria dividida em três ou quatro países - menos poderosos que a Argentina.

O Brasil foi descoberto em 1500,
mas inventado como país em 1808. Nenhum outro
período da história brasileira testemunhou mudanças
tão profundas, decisivas e aceleradas quanto os 13
anos em que a corte portuguesa permaneceu no Rio de
janeiro.
Como seria hoje o Brasil se Dom João não tivesse
fugido?
Apesar da relutância em fazer conjecturas, quase
todos os historiadores concordam que, na hipótese
mais provável, o País não existiria na sua forma
atual.
A Independência e a República teriam vindo mais
cedo, mas a colônia portuguesa se fragmentaria em
pequenos países autônomos, muito parecidos com os
vizinhos da América espanhola, sem nenhuma afinidade
além do idioma.
Baseado nessas divergências regionais, o americano
Roderick J. Berman especula sobre o destino das
possessões portuguesas. Seriam três países: um
formado pelos territórios do Sul, Sudeste e
Centro-Oeste; outro abrangendo a atual Região Norte
mais o Maranhão (e sem o Acre); e um terceiro com a
área restante do Nordeste. O Piauí poderia se
bandear tanto para o lado do país nortista quanto
para o nordestino. Ao Sul, é bem provável que a
Revolução Farroupilha houvesse sido bem sucedida em
1835, resultando no nascimento de mais uma nação no
Rio Grande. E, com o Brasil dividido, a nação mais
poderosa do continente seria, muito provavelmente, a
Argentina.
Sem a transferência da corte portuguesa de Lisboa
para o Rio de Janeiro, seria impossível preservar a
unidade do que é o Brasil”, diz o historiador Luiz
Carlos Villalta, autor do livro O Império
Luso-Brasileiro e os Brasis. “Ocorreria com a
América portuguesa o que ocorreu com a América
espanhola, dividida em vários países que, hoje,
formam conosco a América Latina.”
Sem a vinda da Coroa portuguesa para cá, mais cedo
ou mais tarde algumas províncias do Brasil iriam
conquistar sua independência”, diz Lúcia Bastos,
professora de História da Universidade Estadual do
Rio de Janeiro, que está pesquisando a influência da
figura de Napoleão no império luso-brasileiro.
“Naquele tempo, os deputados brasileiros da corte de
Lisboa não falavam em nome do Brasil, mas em nome de
Pernambuco, da Bahia, do Rio de Janeiro.”
A historiadora diz que o Rio Grande do Sul, alvo de
disputas entre Espanha e Portugal, provavelmente
formaria um país independente anexado ao que é hoje
o Uruguai. “É possível que essa região se tornasse
uma espécie de República do Prata”, diz Lúcia
Bastos. E as divisões não terminariam por aí.
Surgiria um novo país em Pernambuco – possivelmente
anexando alguns Estados vizinhos, outro formado pelo
Pará e Amazonas, uma nação no Maranhão… enfim, o
mapa da América do Sul seria outro.
Outro cenário seria a corte portuguesa não vir para
o Brasil e cair nas mãos de Napoleão. “Foi isso o
que aconteceu com a Espanha, que foi tomada pela
França em 1808”, diz Villalta. “Provavelmente
ocorreria no Brasil o mesmo que nas colônias
espanholas, que se tornaram independentes.” Não
tendo de ser fiéis a um rei empossado por Napoleão,
as províncias rapidamente alcançariam a
independência. “De uma forma ou de outra, a
fragmentação do território que hoje é o Brasil seria
quase certa”, diz o historiador.
E se Dom João não tivesse voltado a Portugal?
Dom Pedro i° perderia seu lugar na história como
libertador do Brasil para o próprio pai.
Se o rei não retornasse para Lisboa em 1821,
teríamos hoje outro herói da Independência: o
próprio Dom João 6º. As mudanças ocorridas no País
nos 13 anos anteriores tinham sido tão profundas e
aceleradas que a separação era apenas uma questão de
tempo e, principalmente, de saber quem seria seu
protagonista. Uma combinação de acaso com decisões
precipitadas deu esse papel ao futuro Dom Pedro 1º.
Mas bem podia ter sido Dom João.
Tão certa era a Independência que, pouco antes de
partir, Dom João chamou o filho mais velho para uma
última recomendação: "Se o Brasil se separar, antes
seja para ti, que me hás de respeitar, que para
algum desses aventureiros".
Dom João sabia que, se voltasse a Portugal, perderia
o Brasil. Se permanecesse no Rio de Janeiro,
perderia Portugal.
De início, cogitou-se a hipótese de enviar o próprio
Dom Pedro. Mas o herdeiro recusou por duas razões:
ele se sentia mais à vontade no Brasil, onde havia
chegado com apenas 10 anos e tinha todos os seus
amigos e conselheiros, e sua mulher, a princesa
Leopoldina, estava nas últimas semanas de gravidez e
poderia ter o filho em alto mar - situação de muito
risco para a época.
Depois de muitas discussões, Dom João surpreendeu
seus auxiliares com a seguinte frase: "Pois bem, se
o meu filho não quer ir, irei eu".
E, assim, deixou para o filho a glória de se tornar
o herói da Independência brasileira.