Cultura e Entretenimento

Cristianismo - Um movimento Revolucionário?

Por: O. Naob (Sor.)

Um grande número de pessoas se esmera em discursos a favor do cristianismo, apresentando-o como um movimento revolucionário que favoreceu as classes minoritárias no antigo Império Romano. Muitos vão mais além, afirmando que o cristianismo é um movimento em favor dos oprimidos e que sua ideologia, com base na proteção dos humildes, contribui nos nossos dias para a construção de uma sociedade melhor.

Alguns, embora não reconhecendo Jesus como o filho de Deus, vêm nele o líder de um movimento político que lutou contra a escravidão e a injustiça social. Onde quer que encontremos círculos de discussão religiosa, o enfoque do movimento cristão como uma revolução em favor dos pobres está presente. Mas estaria este enfoque correto?

O cristianismo surgiu no século I entre os judeus, difundindo-se com incrível rapidez nas províncias orientais do Império Romano, na Ásia Menor e, particularmente, no Egito, penetrando, no início do século seguinte na Grécia. No século III, a Igreja Cristã impõem-se aos poderes romanos, vindo a ser legalizada no século IV.
Três séculos após o seu controvertido surgimento, o cristianismo demonstra a sua inquestionável eficiência enquanto organização política, assumindo a posição de Religião Oficial do Império. Sua ideologia atravessa os portais do tempo, influenciando o comportamento de nossa sociedade de tal forma que, mesmo após tantos séculos, ainda é considerada uma das mais poderosas religiões de todos os tempos. Para analisarmos a influência do cristianismo como agente de mudanças político-econômicas, tema levantado por este artigo, torna-se necessário uma viagem pela história até o momento de suas origens, analisando os fatores que favoreceram o seu surgimento.

O Estado Romano que, inicialmente, compreendia apenas a Península Itálica, assumiu, decorridos dois séculos, o papel de grande líder do mundo antigo. Para alcançar este status político-econômico foram necessárias modificações em sua estrutura que encerravam, na sua essência, a semente da própria destruição.
A principal razão da superioridade romana, em relação aos demais países conquistados, residia no fato de que Roma possuía uma enorme força de trabalho livre que incrementava a produtividade, principalmente agrícola, trazendo riquezas para o Estado. Em contrapartida, os demais países da bacia mediterrânea já tinham adotado o sistema escravagista desde há muito tempo, reduzindo a força de trabalho livre a um nível quase inexistente. O trabalho escravo é altamente nocivo à produção, trazendo como conseqüência o esvaziando dos cofres públicos e a diminuição do poder econômico e político destas sociedades que, enfraquecidas, acabaram por sucumbir ao poder de Roma.

Veremos a seguir, como a adesão romana a este mesmo sistema contribuiu para a falência de seu Império.
Para que as conquistas se tornassem realidade, Roma necessitava de um exército numeroso, composto de homens decididos a conquistar o mundo. Desta forma, agricultores livres, impelidos, uns pelo idealismo, outros pelo rico soldo destinado aos que guerreavam, eram afastados de suas terras durante longos anos, tantos quanto a guerra assim o exigisse.
A migração da estrutura agrícola para a estrutura militar, trouxe enormes prejuízos ao cultivo da terra. Não havia mais homens livres dispostos a trabalhar na agricultura e o lugar vazio deixado por eles foi gradativamente sendo ocupado por escravos, facilmente adquiridos nos países derrotados.
A mão-de-obra escrava, por outro lado, era mais barata e não exigia tantos cuidados quanto os necessários ao homem livre. A mortalidade neste tipo de mão-de-obra era alta, mas isto era facilmente sanado pelo farto mercado de escravos incrementado pelas conquistas progressivas.

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Além da evasão da mão-de-obra livre, as guerras exteriores e as civis, traziam enormes prejuízos às pequenas economias camponesas que não conseguiam se recuperar com facilidade, enquanto que os grandes senhores de terra possuíam recursos suficientes para sobreviver. Acabrunhados pelo poder econômico dos vizinhos ricos, os camponeses acabavam por ter suas terras incorporadas ao latifúndio mais próximo. Isto fazia com que se dirigissem para as cidades, as quais, totalmente despreparadas para o contingente humano que para elas migrava, acabavam sendo redutos de marginalização - eu acho que já conheço esta história!
Os poucos que permaneciam no campo ingressavam no regime de colonato, iniciando uma nova relação de exploração que marcava a transição econômica para o feudalismo.

No colonato o camponês arrendava as terras dos grandes senhores, mas, invariavelmente, exigia-se um soldo por demais elevado em relação à capacidade produtora do pequeno trabalhador, acabando o mesmo por se tornar um servo dos grandes latifundiários. Incapaz de pagar a dívida, via-se impedido de abandonar a terra que locara, transformando-se em um escravo por opção.
O trabalho escravo gradativamente "ganha espaço" e passa a ser utilizado também no artesanato, na administração pública e nos demais trabalhos necessários à manutenção social, considerados indignos de um cidadão romano. Aqui é útil um breve parênteses para explicar que em Roma, apenas as profissões intelectuais eram dignas e, portanto, respeitadas, sendo todas as demais consideradas indignas de um cidadão livre.

Em meados do século I a situação social do Império se agravou e grande parte dos romanos passou a viver graças à caridosa distribuição gratuita de alimentos, proporcionando o surgimento de um grande contingente de desclassificados que viviam às custas da sociedade, isto é, graças ao trabalho gratuito dos escravos do Império. Em conseqüência, as condições de vida da população laboriosa se agravava progressivamente.
Em relação aos territórios conquistados a situação não era menos caótica. A população local, que já não era livre anteriormente, passa a se sentir duplamente oprimida. A política de Roma era a de não interferir diretamente nos assuntos religiosos e apoiar, indiscriminadamente, os poderosos locais, fazendo com que o povo destas províncias se senti-se ainda mais desesperançado. Os impostos eram altos e os devedores que não podiam pagar sua dívida eram vendidos no mercado como escravos.
O escravo, ou mesmo o homem livre endividado, não trabalhava com afinco, pois, desprovido de um futuro promissor, sentia-se desmotivado para a produção. A revolta pela condição social que o agrilhoava fazia com que exerce-se de maneira descuidada e morosa os serviços a ele delegados, trazendo graves prejuízos não só ao seu senhor como a toda a sociedade que dependia de seu trabalho para a própria subsistência. A produtividade cai, a fome aumenta, a revolta se fomenta nos corações...
No decorrer destes anos conturbados as classes minoritárias se erguiam em revolta, mas como o seu poderio militar nem de longe se igualava ao poder do Império, ainda bastante sólido, estes movimentos eram logo sufocados. Sem esperanças na derrocada do poder de Roma, conhecida como a "Babilônia Prostituída", as massas populares se voltavam para os céus à espera da vinda de um Salvador Celestial que libertaria os oprimidos. Este estado de espírito favoreceu as crenças messiânicas e, se analisarmos com cautela, poderemos ver que este ainda é o estado de espírito que alimenta a existência destas mesmas crenças messiânicas em pleno século XX.
A Babilônia parece continuar se prostituindo por aqui...

No final do século II e início do século III a situação tornou-se crítica, a moeda perdeu o seu valor, o ouro e a prata escassearam, os bancos desapareceram, a taxa de juros subiu de 8% para 20%, sendo o pagamento do empréstimo exigido mensalmente, sinal claro da insegurança econômica. As legiões se revoltavam por falta de pagamento e as insurreições de escravos e províncias eram cada vez mais freqüentes.

Estabelece-se a filosofia messiânica como fruto desta revolta social.
O cristianismo é, sem dúvida, o resultado ideológico da luta de classes. Mas, tendo surgido da impotência de classes minoritárias contra um poder opressor, manifesta-se como um reflexo deformado desta luta. A paz que promulgou e que acabou por impregnar os gentios surge, não de uma resolução da realidade, mas da esperança no reino da morte, transformando a vida num purgatório dos pecados da alma. Deste modo, planta-se no coração humano o desprezo pela realidade do dia-a-dia e pelas coisas deste mundo, alienando o homem do prazer de estar vivo e da luta por um mundo melhor. Fruto do desespero, o cristianismo se instala de maneira gradual, porém firme, aproveitando-se da decadência romana para formar o seu próprio império.

A crise econômica, assumindo, esta sim, a posição de agente de transformação social, ganha espaço no pensamento dos cidadãos e já na era pré-cristã se apresenta como assunto de relevo no meio intelectual.
No pré-cristianismo, a riqueza era considerada como sinal de boa sorte, pois proporcionava independência e realizava qualquer luxo.
Ao contrário, a pobreza era considerada como sinal de desgraça, pois as condições por ela gerada escravizavam o indivíduo e sua prole, retirando-lhes o maior de todos os bens, a liberdade.

Aristótoles nos dava uma perspectiva mais avançada sobre esta questão, elucidando que o conceito de "homem livre" implica em que, necessariamente, ele não viva sob nenhum jugo. Isto, de forma alguma poderia acontecer em estado de pobreza, tanto no passado quanto no presente, embora definamos a democracia em que vivemos como um sistema político de liberdade.
Os poetas gregos surgem acentuando a influência social do dinheiro. Aristófanes o classifica como o poder máximo sobre a terra; Hesiodo de alma e sangue para os mortais e Sófocles o classifica como o objeto mais cobiçado pelos homens.
Com muito mais ênfase, falam dele os escritores romanos. Petronio afirma que ele dá uma sensação de segurança e Propercio diz que com ele se compram até os deuses.

A exemplo dos filósofos e escritores, a sociedade considerava o dinheiro como um bem. Contudo, do mesmo modo que se enaltecia o dinheiro, se criticava o trabalho que objetivava apenas o ganho do mesmo. A explicação para esta aparente contradição está em que a ganância daqueles que assim o faziam era considerada o sinal de seu próprio estado servil. Para o povo antigo o assalariado se igualava a um escravo, perdia sua liberdade pessoal.
Isto dá uma conotação toda especial ao poder econômico na antigüidade, considerado uma benção na medida em que propicia o livre pensar e agir, e uma danação na medida em que escraviza aqueles que vêm no trabalho, não uma arte de aprimoramento pessoal, mas apenas um meio de alcançar o poder através da posse monetária.
Alguns escritores gregos declaravam que uma grande riqueza não podia ser adquirida por meios justos e que o ouro, como dizia Sófocles, destrói as cidades, assim como as consciências. Safo considerava que somente em mãos de pessoas de caráter nobre e racional a riqueza poderia se tornar um bem.

A doutrina atribuída a Pitágoras foi interpretada como renúncia a propriedade privada; Sócrates mostrou com o exemplo de sua vida que os bens externos lhe eram indiferentes; Platão considerava nocivos o comércio, o dinheiro e a especulação monetária, tendo a sua sociedade ideal completo desconhecimento destes extremos diametralmente opostos, a saber, a riqueza e a pobreza.
Os cínicos consideravam o dinheiro como um destruidor da ordem natural e social; os estóicos promulgavam a abolição do dinheiro.
Na Sagrada Escritura dos judeus, os profetas, protestam contra o esmagamento social dos pobres, tendência que se acentua nos apócrifos do judaísmo. Os essênios desclassificavam por questão de princípios a propriedade privada, defendendo a comunhão de bens praticada em sua sociedade.

Estes autores começavam a analisar os efeitos de um poder financeiro mal distribuído, numa sociedade visivelmente carente de liberdade, igualdade e fraternidade. Portanto, em relação à posse de riquezas, o pensamento cristão, tal qual em outros pontos, nada tem de original. A ideologia promulgada em relação ao "vil metal", tais como, aquelas que o mostram como um dom outorgado por Deus, do qual o homem não é proprietário, mas administrador; que afirmam ser a cobiça causa de muitos males; etc., são oriundos da confluência das idéias pré-cristãs.

Se existe alguma originalidade no cristianismo ela não se encontra no pensamento filosófico que, diga-se de passagem, era por ela abominado no início de sua trajetória, mas sim, na incrível capacidade de suas igrejas em dissimular a gritante incompatibilidade entre suas palavras e suas ações. O espírito contraditório das estruturas eclesiásticas se torna claro quando, fora da influência do "amor de Cristo", subterfúgio engenhosamente utilizado para o ludíbrio das massas, observamos o acúmulo de riquezas que vem norteando toda a trajetória das mesmas, mantendo, ainda assim - fantástico! - o título de a "Igreja do Pobres". E, embora não seja cristã, pelo menos em relação a este título eu concordo com os mesmos.
As igrejas cristãs são, em realidade, a "Igreja dos Pobres". Não que distribuam seu patrimônio para matar a fome, melhorar a condição social de seus fiéis ou qualquer outra bem feitoria para o rebanho. Mas sim, porque através de sua ideologia perpetuam as condições deploráveis de seu povo, afirmando que o reino dos céus pertence aos pobres, num claro estímulo a esta degradante condição social.

Procuram, através de sua influência política, impedir a institucionalização de programas sociais importantes para a erradicação da pobreza, como o planejamento familiar, afirmando que métodos contraceptivos são um pecado para Deus - não me lembro de ter lido no discurso de Jesus nada contra a pílula -; impedindo a legalização do aborto inclusive em situações humilhantes como o estupro, ou mesmo nos casos de risco de vida para a gestante, aumentam a condição degradante da mulher, bem como os seus índices de mortalidade, afirmando ser esta a vontade de Deus. Ah sim, mas podemos alegar que no Brasil ela se posiciona a favor do movimento dos "sem terra", estimulando a invasão dos grandes feudos da atualidade. Não querendo ser desagradável, gostaria aqui de enfatizar que as Igrejas são grandes detentoras de latifúndios e que até hoje não se pronunciaram a respeito da distribuição de suas próprias terras. Para não falar no fato de que o estimulo a invasões desordenadas e ilegais, em muito se assemelha ao estímulo que os líderes da Igreja, no passado, davam aos seus fiéis a fim de que oferecessem seus pescoços à espada dos romanos, servindo assim, para demonstrar a enorme força de seu rebanho, "alimentado pelo amor do senhor Jesus".

Voltando ao nosso assunto, no cristianismo, foram agrupadas todas as correntes de pensamento pré-cristãs na tentativa de reunir um maior número de fiéis e de anular politicamente qualquer outra tendência, tal qual, a primorosa ação da Igreja em absorver os deuses pagãos em sua complexa legião de anjos, santos e demônios. A união de estruturas que em sua essência eram opostas deram origem a uma ideologia paradoxal em que, como disse M.I. Finley, "tenta se harmonizar a ganância com uma inclinação para a via do ascetismo e da pobreza, gerando sentimentos de inquietação e culpa." Qualquer psiquiatra em formação estaria apto a dissertar sobre o quão prejudicial pode ser este tipo de atitude para a mente humana.
Aquilo que Jesus, supostamente histórico, tenha predicado em seus dias, se é que predicou algo, é uma incógnita para os cristão de hoje, tão grosseiras foram as alterações feitas nos textos originais, a fim de manipular a filosofia em favor dos interesses da organização eclesiástica.

Sabemos apenas que seus discursos estão imersos na forma de pensamento essênio que abominava a posse de riquezas. Desta forma, o Jesus bíblico vive na mais completa pobreza, não tendo nem mesmo onde repousar a cabeça. Se apresenta como amigo dos pobres, dos marginalizados e dos pecadores. Profetiza uma época em que Deus derruba aos poderosos e eleva aos humildes, incentivando aos ricos para que se dispam da riqueza distribuindo-a aos pobres, afirmando que ninguém pode ser seu discípulo se não renunciar ao que possui.

Nos tempos primitivos, o cristianismo adotava uma forma social de partilha de bens, denominado de "comunismo do amor". Os primeiros cristãos residiam em comunidades onde, para o ingresso, era exigido a entrega dos bens pessoais aos líderes da comunidade. Estes bens materiais eram utilizados para prover a comunidade de todos os meios para a sua subsistência, distribuído em partes iguais para todos. Diante da visão escatológica, o fim dos tempos, a necessidade de posse de bens havia se transformado em algo secundário e já que a salvação da alma, esta sim essencial, podia ser comprada por doações, que assim fosse, pensavam os antigos cristãos.
Estas comunidades não representavam uma consciência social igualitária como gostariam de pensar alguns. No começo dos tempos os cristãos eram discriminados não só por sua ideologia de pós-tumulo, em evidente confronto com o paganismo que valorizava a vida em detrimento da morte, mas principalmente porque era constituído por classes sociais marginalizadas, a saber, escravos, colonos tornados servos e desclassificados que haviam evoluído a este estado pela penúria social em que se encontravam. A formação de comunidades era necessária ao cristianismo na medida em que angariava fiéis, oferecendo-lhes um meio de proteção e conseqüente subsistência.

Como já foi dito, existem muitas pessoas que, através de teses, procuram provar que o cristianismo em seus primórdios era um movimento revolucionário que enfrentava o poder vigente. Esquecem eles que o cristianismo era e sempre foi, uma ilusão religiosa provocada pela impotência popular diante da opressão. O ópio do povo, como diria Marx.
O cristianismo projetou os sonhos de uma sociedade mais justa num mundo irreal, levando os revoltosos à resignação e, não só neste sentido, ajudou os poderosos a fortalecer o seu poder. A espera messiânica, apesar de disfarçada sob a imagem do amor, era altamente nefasta ao pregar a não-resistência e a humildade. Refletia a falta de saída para uma crise social e, na medida em que era fator de alienação ajudou a perpetuar a escravidão e a miséria.

Em lugar de serem impelidos para a luta na vida real os primeiros cristãos foram impelidos para o imaginário, sentindo-se embriagados pela visão de uma nova Jerusalém celeste. Consolando o escravo na sua miséria moral e material, o cristianismo o mantinha na obediência, fazendo-o acreditar que apenas uma grande catástrofe como o fim do mundo, traria a solução para os seus problemas. Transformava-se o escravo por coação em escravo por persuasão, propondo-se a estagnação social.

Este posicionamento é claro em alguns escritos cristãos: "Que cada pessoa permaneça no estado em que se encontrava no momento em que Deus o chamou", escreveu Paulo aos coríntios; na epístola a Tito, lemos: "Aos escravos recomendarás serem submissos a seus amos, procurarem satisfazê-los em todas as coisas, não contradizê-los, nada roubar, mas mostrar, sempre, uma perfeita fidelidade, a fim de fazer honra, em todas as coisas, à doutrina de Deus, nosso Salvador". Mesmo no Apocalipse de São João, assim como outros textos cristãos, um pouco mais agressivo em suas colocações, a cidade não é outra coisa senão a grande prostituta, a morada do mal, seguindo por um processo de inúmeras ameaças místicas, jamais engendrando ação.

A ideologia cristã igualava os homens através do "pecado original". Todos, sendo pecadores, deveriam sofrer para expiar seus pecados. Sofrer era uma honra, era sofrer como o Cristo que havia morrido na cruz. Portanto, longe de lutar contra a escravidão e o sofrimento a nova religião a santificou, da mesma forma que santificou, em geral, toda relação de dominação. A vítima involuntária, diante dos ensinamentos cristãos, transformava-se na vítima voluntária, o indivíduo indócil em dócil e indefeso diante de sua condição social.

Com o tempo, a aproximação da Igreja com o poder vigente iria acentuar ainda mais a sua teologia de sofrimento e conformação, facilitando ainda mais a ação dos poderosos. Os fins justificam os meios. A Igreja Cristã, cada vez mais obcecada pela necessidade de poder, já no final do século II, passa a implementar barganhas utilizando-se do poder político da alma de seus fiéis para apoiar os ricos e adquirir riquezas.

Os séculos se passaram, a ciência se estabeleceu, o homem chegou à lua, a cibernética é hoje uma realidade... Podem alguns dizer que isto é uma prova de sua eficácia ideológica. No meu entender, isto é uma prova de sua competência política, e da mais completa alienação do homem enquanto ser pensante.e o cristianismo dá continuidade à sua influência perniciosa.
Podem alguns dizer que isto é uma prova de sua eficácia ideológica. No meu entender, isto é uma prova de sua competência política, e da mais completa alienação do homem enquanto ser pensante.

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Se como dizem, o cristianismo é um movimento em favor dos pobres e contra os poderosos, os séculos que transcorreram após o seu estabelecimento são a maior prova de sua ineficácia. As pressões que nos primórdios oprimiam a raça humana continuam o seu trabalho, mudando apenas de nome e aprimorando os seus métodos. A fome é para nós hoje uma realidade muito próxima, basta sair às ruas. Vivemos hoje uma crise sócio-econômica de proporções mundiais à qual estamos submetidos, tal qual escravos.
Como se não bastasse, continuamos hoje, assim como no passado, ensinando aos nossos filhos a noção de que são pecadores e de que, em razão disso, o sofrimento é um mal necessário. Incutimos em suas mentes a conformidade diante da opressão, submetendo-os, indefesos, a condições que em muito não se diferenciam da escravidão.
Continuamos hoje, tal qual no passado, aguardando o reino de Deus chegar e, infelizmente, a história comprova que o seu reino só chega, quando a morte nos extingue, ou pela fome, ou pela violência, ou pela doença...
Até quando vamos acreditar que um Deus Onipotente, Onisciente, Onipresente, precisa de métodos tão pouco dignos para anunciar a sua chegada?

A influência do pensamento cristão nos faz adivinhar na crise social um sinal do fim do mundo. Tal qual nos foi ensinado no passado, hoje, fugimos, nos julgando impotentes diante de uma realidade difícil de digerir. Buscamos refúgio nas orações que são proferidas com os olhos cerrados, numa clara alusão ao "não quero ver"; com as mãos juntas numa clara alusão ao "nada posso fazer"; com a boca ocupada por frases de fé que ensurdecem nossos ouvidos, numa clara alusão ao "nada posso falar" e "nada posso escutar"; com os joelhos dobrados, numa clara alusão à nossa submissão. A mente impedida de pensar, desfocada da realidade, reclusa num reino de Deus que apenas a fé nos faz intuir. A consciência aplacada pela caridade, esquecemos que a verdadeira caridade está em lutar por um mundo mais humano, um mundo onde nossas crianças possam ser livres, onde elas possam realmente viver!
É necessário aprender com a experiência e esta tem nos mostrado no decorrer da história que a ação é imprescindível para a realização. Vivemos acanhados pela sombra do perdão, nossas potencialidades reprimidas pela idéia de castigo, tornando-nos incapazes de vivificar nossa origem divina. Somente quando revelarmos esta essência latente em cada um de nós teremos a opção de algo melhor. Pois não dizem que o reino de Deus está em cada um de nós?

É necessário que a raça humana volte a observar, pensar e analisar. Não são estes dons que Deus nos deu?
Lembro agora de um diálogo que uma vez assisti entre dois seres que exercitavam o raciocínio:
- O reino de Deus é dos pobres, dizia o primeiro.
- E se não houvessem mais pobres?, questionava o segundo.
- Não haveria reino! - exclamava o primeiro para logo após reiterar - Ah! mas ainda assim há a idéia do pecado trazendo sofrimento. Precisamos de um salvador!
- E se o pecado fosse apenas uma idéia sem cunho real?, reflete o segundo.
- Então estaríamos sofrendo por nada, sendo vazia a necessidade de um salvador.
- Ops! mas se não houvesse mais Reino, nem Salvador, o que seria feito das igrejas?, questiona o primeiro, assustado.
- Sei lá, talvez nem existissem, conclui o segundo para logo depois, despreocupadamente, convidar o seu companheiro de prosa para um chopp bem gelado.