Antropólogo avalia como a internet influencia a criação de uma nova sociabilidade

Surpreendentes são as
transformações ocorridas no mundo a partir da
revolução digital. A tecnologia abriu um fluxo
praticamente ninterrupto de informações e apresentou ao homem
novas formas de interação. Popularizado rapidamente,
o conjunto computador-
internet refinou a maneira de se estudar, trabalhar
e pesquisar; mas foi no âmbito das relações sociais
que ele provocou
conseqüências mais sensíveis, ao redimensionar as
noções de tempo e espaço.
Esse é o ponto de vista do antropólogo Jonatas
Dornelles, da Universidade Federal do Rio Grande do
Sul (UFRGS), exposto em artigo
publicado em junho na revista Horizontes
antropológicos. Pesquisador da influência da
internet nas relações pessoais, o professor
acessou regularmente um chat de Porto Alegre entre
2001 e 2003 para avaliar as novas formas de
sociabilidade na era digital.
Ele observou que as salas virtuais de bate-papo
ampliam laços sociais, ao proporcionar o contato de
pessoas que, por motivos
geográficos ou culturais, provavelmente não se
conheceriam. "Os chats são espaços virtuais que, com
uma lógica própria, simulam uma
sociabilidade real", explica. "De acordo com a
freqüência e horário dos acessos, gostos e
intenções, usuários identificam-se e
formam grupos seletos de amigos -- como na vida
real."
Jonatas compara a formação dessas comunidades
virtuais à dos grupos sociais tradicionais: em ambos
os casos, a interação social
depende de uma simultaneidade vivida. Seja para
combater a solidão, pelo instinto coletivo ou para
fugir de uma situação real, os
freqüentadores obedecem a regras de convivência,
dispõem de estratégias para sustentar a interação e
identificam-se por
compartilhar a mesma situação, no presente.
A possibilidade de estar conectado a amigos em
ocasiões em que isso seria impossível -- por se
estar no trabalho ou do outro lado
do mundo -- é um importante fator de atração.
Compartilhar um momento sem dividir o mesmo espaço
físico é um sinal da
desterritorialização das relações, promovida pela
revolução digital. "Não é mais preciso proximidade
geográfica para que haja
interação social. Mesmo virtuais, as salas de
bate-papo são um ponto de encontro em que pessoas
conversam e namoram,
independentemente do que ocorre no mundo real",
afirma Jonatas.
A interação cibernética, no entanto, ainda exigia um
alinhamento das pessoas no tempo. Mesmo em espaços
geográficos distintos, a
conexão simultânea era um aspecto fundamental para a
formação de grupos sociais específicos. Com o
desenvolvimento das
possibilidades virtuais de interação, Jonatas chama
a atenção para a transcendência também do tempo nas
novas formas de relação
social.
Uma terceira forma de sociabilidade surge assim na
era digital. Bem representada pelo fenômeno Orkut,
ela permite uma interação
independente do tempo e do espaço. "Poder trocar
informações e experiências sem precisar dividir o
mesmo período de tempo é um
reflexo do controle cada vez maior do homem sobre o
tempo", conclui o antropólogo.
Leia o artigo de Jonatas Dornelles
Antropologia e Internet: Quando o "campo" é a cidade
e o computador é a "rede"
Introdução
Contemporaneamente parece que a informática já está
banalizada. Quando me refiro a ela como algo banal,
estou me referindo antes à
difusão de sua idéia do que à sua penetração nos
diversos estratos sociais. Existem pesquisas sobre
condições socioeconômicas que
regularmente divulgam o percentual de pessoas que
têm acesso ao conjunto computador/Internet. De
maneira geral, os dados revelam
que a maior parte dos usuários de
computadores/Internet é composta por pessoas com
médio e alto poder aquisitivo.
A tecnologia informática ainda é cara. No Brasil um
aparelho novo de computador é vendido, em média, por
1.500 reais. Considerando
que o salário mínimo atual é de 240 reais, então um
computador pessoal custa em torno de seis vezes esse
indicador. Embora o
mercado tenha gerado uma série de condições que
facilitam a compra do aparelho - em vista da grande
demanda - ainda assim é uma
aquisição dispendiosa. Devido a essas condições,
ainda não é uma tecnologia que atingiu as massas na
forma de bem de consumo, tal
como já aconteceu com a televisão e, muito antes,
com o rádio.
Quando me refiro à banalização da informática, estou
tratando da vulgarização do reconhecimento da
existência da tecnologia. Talvez
as pesquisas quantitativas devessem questionar
também o fato da população saber da existência de
computador/Internet. Falta um dado
que, paralelo ao que se refere à posse de
computador/Internet, indique a difusão da idéia da
informática e da mídia digital.
Possivelmente uma investigação desse tipo indicaria
um alto percentual de "reconhecimento da existência"
de computadores/Internet e
seus usos. Um primeiro indicativo de massificação da
idéia está no seguinte fato: recorrentemente surgem
nos programas de televisão
discussões sobre o tema. E, sendo assim, a mídia
digital (no caso do computador/Internet) vai sendo
divulgada, via mídia eletrônica
(televisão) para a massa da população.
Atualmente o tema computador/Internet atingiu o
senso comum da população. É cada vez mais comum e
compreensível que seja possível
bater papo, conhecer pessoas, fazer amigos e até
mesmo namorar via computador/Internet. Há uns três
anos esses temas levantavam
dúvidas, desconfiança e muito mais discussão nos
veículos de comunicação, principalmente na
televisão. Hoje a situação parece ter
se acomodado em decorrência de uma familiarização
com o fenômeno. O panorama é menos de
questionamentos sobre a possibilidade de
existir relacionamento social via Internet e mais de
tomada de opinião sobre a questão.
Adiante tentarei conduzir o leitor em uma reflexão
sobre a sociabilidade que está relacionada com o
computador/Internet. Utilizarei
como campo a cidade de Porto Alegre e as salas de
bate-papo virtual (chat) relacionadas a ela, em
pesquisa etnográfica desenvolvida
de 2001 a 2003. Nesse caso, o recorte se dará a
partir do chat do provedor Terra sob o título "Porto
Alegre".1 Em vista desse
recorte irei iniciar do ponto em que a Internet se
insere no contexto da cidade. Esse foi um processo
específico. Em cada lugar há
a conjunção de condições amplas (nacionais ou
mundiais) e fatores específicos e determinados pela
cultura local. Em Porto Alegre o
conjunto computador/Internet começou a ter uma
difusão acelerada a partir da metade da década de
1990.
Evolução digital
Em solo porto-alegrense a tecnologia informática
floresceu sobre as bases deixadas pela televisão,
que começou a ser difundida pelo
mundo a partir da metade do século XX. Esse novo
invento mesclava as características de dois outros
já difundidos: o cinema e o
rádio. Do primeiro vinha a questão audiovisual. Do
segundo, a transmissão a partir de ondas
eletromagnéticas. Como resultado, a
humanidade conheceu o mais poderoso meio de
comunicação de massa2 surgido até então. A relação
nesse tipo de comunicação se
estabelecia entre "um" e "muitos". Na televisão a
situação envolve uma emissora enviando imagens e som
através de um canal a uma
massa de espectadores.
Com a televisão surgiu mais um veículo de
comunicação para compor a mídia eletrônica, que até
então era formada pelo cinema e pelo
rádio. "Eletrônica" porque utilizava o sistema
tecnológico dessa categoria para a sua difusão. Até
então o que existia era a mídia
impressa, composta pelos veículos de comunicação que
utilizavam a impressão: livros, jornais e revistas.
A mídia eletrônica não
exterminou a impressa, as duas vindo a dividir
espaço.
Na metade do século XX a tecnologia do rádio se
difundia por Porto Alegre. As ondas radiofônicas
traziam o mundo aos porto-
alegrenses. Através dos aparelhos de rádio a
população foi rapidamente informada sobre o fim da
Segunda Guerra e a partilha da
Palestina. Mas o rádio não servia somente à
informação, ele também entretinha. Pesquisas sobre
Porto Alegre apontam que em 1956 o
maior sucesso do rádio na cidade era o Programa
Maurício Sobrinho. Ele era transmitido diretamente
do palco do Cine Castelo, na rua
da Azenha. Ali se apresentavam tanto os sucessos do
momento, como Ângela Maria e Cauby Peixoto, como os
ainda desconhecidos da
época, como era o caso de Elis Regina, que se
apresentava como caloura. A presença dos
porto-alegrenses era maciça tanto dentro do
edifício, no palco, quanto do lado de fora, à espera
das estrelas. Em 1959 outra inovação tecnológica na
cidade: a TV Piratini,
canal 5 de Porto Alegre. Nessa época a programação
ia das 20h até as 22h. Os programas eram
apresentados ao vivo, já que não
existia videoteipe.3
Em meados da década de 1970 os jogos eletrônicos em
casas especializadas (fliperamas) eram a sensação
entre os jovens porto-
alegrenses. Na década de 1980 começou a se
popularizar uma nova forma de tecnologia: os
videogames. Eles eram aparelhos que,
conectados à televisão, geravam imagens de jogos. O
jogador poderia, via "controle" (um peça de uns 15
cm de lado, com uma alavanca
e um botão), operar as imagens projetadas na
televisão e jogar o jogo. Os aparelhos de televisão
também estavam se popularizando.
Era cada vez mais difícil existir alguma residência
na cidade que não possuísse um aparelho de TV.
Naquela época ainda existiam os
aparelhos coloridos e os preto-e-branco. Quem tinha
uma TV com controle remoto... era luxo.
Se na década de 1980 a sensação entre os jovens era
o videogame, nos anos 1990 floresceu a informática.
Os videogames continuaram
ficando cada vez mais aperfeiçoados, mas agora
existia algo diferente que proliferava no mundo e
chamava a atenção em Porto Alegre:
o computador pessoal. Desde a década anterior já se
sabia da sua existência. Naquela época os modelos
eram os "XP" (xispê). A
partir de meados da década de 1990 o equipamento
começou a se difundir entre a população.
Primeiramente ele foi absorvido pela
classe alta. Logo em seguida pela classe média.
Junto com o deslumbre do aparelho vinha outra
sensação: a Internet.
A Internet surgiu nos planos norte-americanos de
combate à União Soviética. A idéia da Internet,
surgida na década de 1970, era
possibilitar uma comunicação no formato de rede que
não tivesse nenhum centro. Dessa maneira seria quase
impossível ao inimigo
combater esse novo meio de comunicação. Cada "nó" da
rede (Internet) era autônomo na produção de mensagem
e divulgação da mesma
para os outros "nós". Ao contrário da televisão, a
Internet possibilita a comunicação entre "muitos" e
"muitos". Isso está
relacionado com o potencial "produtor" que a nova
mídia possibilita. Multiplicam-se os canais (na
rede/Internet) que divulgam
informações e tratam de "ser ouvidos". Agora muitos
são os produtores de informação e eles estão de
todos os lados, não somente do
lado de uma classe dominante econômica ou
politicamente (onde poderíamos situar as emissoras
de televisão).
O computador/Internet faz parte de um conjunto de
meios de comunicação embasados pela tecnologia
digital - mídia digital. Com esse
novo suporte (diferente do impresso e do eletrônico)
é possível transmitir a informação sem distinção
(imagem, vídeo, voz e dados)
na forma de bits e bytes.4 Nas últimas duas décadas
a expansão da rede superou a de qualquer outro
invento do ser humano
(comparando a quantidade de indivíduos que a
utilizam e quanto tempo levou para atingir esse
patamar5). Atualmente o número de
sites publicados na Internet chega a cifra dos
milhões.
O meio de comunicação propiciado pela Internet
possibilita a comunicação em escala mundial. A
partir da rede são colocados à
disposição canais de comunicação entre diferentes
partes do globo terrestre. A partir dela os
indivíduos podem compartilhar
informações (na forma de imagem, voz ou dados) em
fração de segundos, mesmo situados em continentes
diferentes. Esse panorama faz
pensar que essa tecnologia corrobora a integração
mundial, que é pregada pelo modelo de globalização
iniciado no século XX e
resultante dos avanços do capitalismo. O resultado é
visível em uma potencial heterogeneidade de
informações disponibilizadas,
tanto quanto uma diversidade de usuários. Isso
significa que diferentes manifestações culturais são
divulgadas via Internet para o
resto do mundo. Seguindo a forma da Internet
(comunicação entre "muitos" e "muitos"), vários são
os produtores e consumidores de
informação. Fica claro um panorama onde prevalece a
heterogeneidade e a diversidade de estilos de vida e
manifestações culturais.
Porém, o leitor deve ser alertado que esse cenário
pode assim ser conceitualizado quando consideramos o
conjunto da rede, a
Internet toda em sua dimensão mundial.
Em solo brasileiro a Internet foi tomando forma na
metade da década de 1990. Em 1995 o Ministério das
Comunicações e o Ministério
da Ciência e Tecnologia começaram a incentivar a
criação de provedores privados de acesso à Internet.
Até então o acesso era
gerenciado por órgãos de pesquisa (como o CNPq) e
governamentais. Em 1996 a Prefeitura de Porto Alegre
inaugurou o seu provedor de
acesso à Internet: a Portoweb. Logo em seguida
surgiram diversos provedores privados sediados na
cidade: Conex, ZAZ (que mais tarde
se transformou em Terra), Matrix, etc.
Até o final da década de noventa os porto-alegrenses
viam na cidade uma difusão cada vez maior do
"aparelho computador" e do acesso
à Internet. Rapidamente várias residências,
escritórios e estabelecimentos comerciais passaram a
possuir um computador e uma
conexão à Internet. Aos jovens que ingressaram no
mercado de trabalho nessa época talvez não fosse tão
impactante a nova
tecnologia. Porém a possibilidade de enviar um
documento via e-mail, a troca de informações via
Internet e o acesso a sites de
empresas, entre tantas possibilidades, transformava
a vida em Porto Alegre. A cada dia surgiam novas
lojas especializadas em
equipamentos de informática. Surgiram até feiras
dedicadas ao segmento. Nelas era possível comprar
equipamentos e peças mais
baratas que o normal do mercado. Logo também foi
possível perceber uma mudança na linguagem dos
porto-alegrenses. Eles começaram a
tratar de assuntos novos: "te mando um e-mail",
"acessa meu site", "já foi nesse chat?", "qual o teu
provedor?"...
Rapidamente também a conexão à Internet deixou de
ser "discada"6 para ser "via cabo".7 No final da
década de noventa o acesso à
Internet era feito, predominantemente, via linha
telefônica. O "cabo" (ou cable) era uma novidade lá
por 1998. Hoje em dia ele
também se proliferou e divide com a "discada" as
formas possíveis de acesso. No início os provedores
da capital eram todos pagos. O
serviço tinha uma tarifa mensal. O usuário de
Internet tinha um número-limite de horas de acesso.
Usando mais se pagava mais. Porém
em 1999 surgiu o "paraíso": o acesso gratuito. O
primeiro provedor porto-alegrense de acesso gratuito
à Internet foi o "Católico".
Ele era gerenciado pela Arquidiocese da Igreja
Católica em Porto Alegre e tinha a finalidade de
oferecer o serviço para o usuário
comum e para as instituições filantrópicas. Logo ele
desapareceu. Na mesma época surgiu no Brasil o Ig
(Internet Gratuita). Esse
provedor contemplava várias capitais brasileiras,
entre elas Porto Alegre. Ele existe até hoje. Alguns
outros provedores gratuitos
surgiram. Alguns logo desapareceram. Outros
sobrevivem até hoje.
Com aparelhos de computador a preços mais baratos8
(ou pelo menos financiados) e a difusão do acesso à
Internet, logo a idéia da
informática tomou conta dos porto-alegrenses. A cada
dia que passava uma nova residência ficava
"conectada" à rede. A nova
tecnologia era difundida mais rapidamente pelos
jovens e cada vez mais eles estavam "navegando" por
sites, trocando e-mails e se
comunicando em chats. O encontro virtual em salas de
bate-papo virtual (chat) cada vez mais ia seduzindo
os jovens da cidade.
Pessoas com mais de 25 anos talvez lembrem do
momento pré e pós-informática (incluindo aí
computadores, Internet, sites e chats).
Os mais jovens já entravam na adolescência munidos
dessa forma de comunicação e pouco estranhavam as
novidades.
E o que acontece quando uma tecnologia difundida em
âmbito mundial aporta em Porto Alegre? Bom, durante
o século XX várias outras
tecnologias chegaram à cidade. Apenas com a intenção
de mencionar devemos lembrar que o bonde com tração
animal veio a tornar os
trajetos mais rápidos. Logo em seguida a
eletricidade, e inclusive o bonde elétrico, mudaram
ainda mais o ritmo da cidade. Também
devemos lembrar de como a telefonia foi se
estabelecendo gradualmente na cidade.
Cada uma dessas tecnologias, e ainda poderíamos
lembrar de outras, trouxeram a Porto Alegre uma nova
representação de tempo e
espaço. Assim como acontecia em âmbito mundial, pelo
menos no Ocidente, o tempo começou a se tornar uma
dimensão cada vez mais
descontínua (Featherstone, 1995, p. 21). Em termos
de espaço cabe a observação Anthony Giddens (1991) a
respeito do "alongamento"
da relação entre formas sociais e eventos locais, ao
qual o autor se refere como sendo característico de
um movimento de
globalização. Para ele esse fenômeno pode ser
definido como sendo "a intensificação das relações
sociais em escala mundial, que
ligam localidades distantes de tal maneira que
acontecimentos locais são modelados por eventos
ocorrendo a muitas milhas de
distância e vice-versa" (Giddens, 1991, p. 70). Isso
significa que podemos pensar da mesma maneira a
respeito da inserção do
conjunto computador/Internet em solo
porto-alegrense.
Pesquisando sobre essa união (Porto Alegre mais
computador/Internet) cheguei a um fenômeno que
basicamente envolvia interação
social e mídia digital. Uma nova tribo, seguido o
sentido proposto por Michel Maffesoli (1987),
começou a ocupar a cidade no início
do século XXI: a turma de chat. São os jovens
porto-alegrenses que cultivam a sociabilidade
virtual via Internet e organizam suas
relações a partir daí. E é justamente aí que o
conjunto computador/Internet deixa de ser um espaço
onde prevalecem,
majoritariamente, heterogeneidade e diversidade,
para dar lugar a nichos de sobrevivência de minorias
metropolitanas, as quais
prezam pela homogeneidade de classe (ou mesmo
etária) e estilos de vida.
O conjunto computador/Internet mistura
características do telefone, da televisão e do
vdeogame e nos lembra dos momentos em que a
cidade os recebeu. Cada uma dessas tecnologias teve
um momento de inserção na cidade de Porto Alegre.
Aliado a cada um deles, a
sociedade revelava uma forma de utilização das
tecnologias e envolvimento com elas. Em cada um
desses momentos uma nova cena tomou
a cidade. Atualmente o cenário é de difusão do
computador/Internet, das tribos de chat, dos
indivíduos conectados e interagindo em
forma de rede e revelando peculiaridade desse tipo
de envolvimento.
Tornou-se uma experiência comum para quem utiliza
computador/Internet o acesso a uma sala de bate-papo
virtual (chat). A primeira
experiência com a comunicação via chat de
conversação escrita gera caminhos a serem seguidos.
O indivíduo ou não gosta e acaba por
repudiar, ou se coloca de maneira neutra, ou então
segue a utilizar o sistema. Entre esses três níveis
existem gradações. Por
exemplo, entre os que utilizam o sistema existem os
que usam eventualmente e os que utilizam
regularmente. Entre os que utilizam
regularmente existem os que criam laços de amizade
mais duradouros e ficam fazendo parte de uma rede
social mediada pelo contato do
computador e, ainda, os que não se inserem em redes.
Estes acabam por estabelecer contatos mais efêmeros
e fortuitos.
Pensando a partir de dicotomias podemos pensar sobre
a associação entre computador/Internet e Porto
Alegre como criando dois
mundos. De um lado temos o mundo on-line, que é
aquele que medeia a interação entre indivíduos
virtualmente a partir da mídia
digital. De outro lado temos o off-line, que é
aquele mundo que medeia a interação entre indivíduos
sem o equipamento
computador/Internet. Esse caso é quando os
indivíduos interagem face a face, diferentemente do
outro modo, que é a partir da
interface do monitor/computador que coloca os
indivíduos em interação via Internet.
Lembrando o leitor da proposta inicial, aqui se
propõe a reflexão sobre quando a tecnologia digital
do computador/Internet se
associa com a cidade de Porto Alegre criando um novo
espaço de trocas sociais. Dessa forma, serão
consideradas paralelamente as
duas formas de interação (on e off-line).
Contemporaneamente algumas pesquisas dão conta do
espaço de interação que se cria com a
forma de comunicação on-line. Nesse caso, tratam
basicamente de uma desterritorialização em potencial
presente na Internet. É
quando não importa se um indivíduo está a
quilômetros de distância de outro. Importa é que
estão cultivando uma interação,
independentemente da proximidade geográfica e
dependentes do espaço virtual de trocas que se
forma.
Esse tipo de espaço também está presente na
interação entre indivíduos "próximos", moradores da
mesma cidade, por exemplo. No
entanto, o diferencial está na associação estreita
existente entre as dimensões on e off-line. Isso
significa que, nesse caso, é
importante sim o fato de dois indivíduos, por
exemplo, estarem em interação e próximos
geograficamente. Ao invés de uma
desterritorialização, nesse caso há sim uma
territorialização, pelo menos quanto ao que se
refere à propensão ao encontro social. É
quando o fato de ser, ou não ser, de Porto Alegre
influencia na interação virtual efetivada em
ambiente de chat. Observando mais
especificamente fica clara, inclusive, uma propensão
à sociabilidade com indivíduos ainda mais próximos,
àqueles que moram em uma
determinada zona da cidade.
No caso pesquisado9 foi esse o aspecto que ficou
mais claro. Embora a vivência essencialmente on-line
tenha vida autônoma, a
associação, e daí o termo "estreitamento", da
vivência on e off-line foram os aspectos mais claros
no tipo de sociabilidade que
atualmente se opera via computador/Internet na
cidade de Porto Alegre a partir do chat do provedor
Terra Porto Alegre. O que coloca
os pesquisadores desse tema diante de um novo
contexto, aquele em que se misturam as vivências
on-line em chat e off-line no
contexto urbano da cidade.
O aspecto visual
Para pensarmos no conjunto computador/Internet atual
precisamos explorar em que bases ele se desenvolve.
O que nos leva à interface
gráfica. Por interface devemos entender o conjunto
de elementos (tanto hardware quanto software) que
fazem a mediação do usuário
com a informática. A interface utiliza o suporte da
mídia digital. Porém, se baseia na idéia da
linguagem analógica (do mundo ao
redor dos seres humanos, das coisas que os cercam).
Em termos de hardware, o principal elemento de
suporte da interface é a tela do
monitor. Através dele é que o usuário irá interagir
com o sistema. Em termos de software, o suporte
advém da plataforma visual do
sistema operacional do computador.
Há algumas décadas o sistema operacional comum dos
computadores pessoais possuía a interface de linha
de comando.10 A mediação
entre usuário e informática se dava pela constante
programação do primeiro sobre a segunda. Significa
que, por exemplo, o
gerenciamento de arquivos no computador se dava pela
ordem escrita do usuário. Este digitava, via
teclado, um comando escrito e a
partir daí o arquivo era aberto, ou apagado, ou
transferido de pasta, e assim por diante. Atualmente
a interface é visual. Isso
significa que não é preciso digitar comandos para as
tarefas serem executadas. O usuário de hoje, via
mouse por exemplo, interage
com a imagem digital projetada na tela do monitor e,
clicando ou arrastando, executa as tarefas normais
de gerenciamento de
arquivos. Por mais que atualmente possa parecer uma
tarefa natural, interagir na imagem do computador, a
maneira que fazemos hoje,
condiciona uma série de questões envolvidas com a
percepção humana. A "linha de comando" não deixou de
existir, apenas mudou de
lugar. Antes o próprio usuário de computador tinha
de ser o detentor do conhecimento necessário para
interagir com a linha de
comando. Agora a linha de comando fica a cargo do
programador. Ao usuário é mostrada uma outra camada
que possibilita a iteração,
que é a visual. As camadas, visual e de linha de
comando, se sobrepõem. A interação do usuário (não
programador) com a interface do
computador se dá pela primeira.
Em uma obra recente, Steven Johnson (2001) nos traz
o contexto em que surge a interface gráfica. Ele
lembra que Doug Engelbart, em
1968, foi o primeiro a projetar uma interface para
relacionar o usuário de computador com a máquina.
Analisando tecnicamente, essa
relação é complicada. A linguagem de computador é
organizada em códigos binários (zero ou um) ou
abreviaturas de comandos. Já a
linguagem do ser humano se dá em outros termos, a
partir da fala, de gestos, da escrita, da
comunicação visual, etc. O invento de
Engelbart tratava de conciliar a linguagem digital
com a percepção humana (linguagem analógica). Para
isso ele partiu da idéia de
"mapear bits". Foi a primeira vez que o computador
digital começou a revelar "espaços". O usuário
poderia ir "lá" ou "cá", procurar
arquivos em determinados lugares no computador... e
assim por diante. Foi nesse momento que surgiram as
primeiras "janelas" na tela
do computador.
O usuário poderia abrir espaços (janelas) que
possibilitassem a interação com a máquina e seus
arquivos. Porém ainda não era
possível sobrepor as janelas. Com Alan Kay (Johnson,
2001) surgiu essa possibilidade. Ele se baseou na
idéia das pilhas de papéis.
Ora, no seu mundo ao redor o indivíduo pode
organizar papéis uns sobre os outros. Os que está
utilizando ele coloca sobre os
demais. Os menos importantes abaixo... Por que não
aplicar essa idéia ao espaço digital? Sobre a
inovação trazida por Alan Kay
Steven, Johnson faz a seguinte consideração:
Podíamos entrar e sair da paisagem da tela, puxar
coisas na nossa direção ou afastá-las. A revolução
do mapeamento de bits nos dera
uma linguagem visual para a informação, mas as
pilhas de papel de Kay sugeriram uma abordagem mais
tridimensional, um espaço-tela
em que era possível entrar. Toda a idéia do
computador como um ambiente do mundo virtual tem
origem nessa inovação aparentemente
modesta, embora fossem ser necessários muitos anos
para que esse legado se tornasse visível. (Johnson,
2001, p. 40).
A partir de então a interface gráfica do computador
foi recebendo inovações. A maioria delas baseadas em
metáforas do mundo
analógico. Foi tomando forma um sistema operacional
que imitasse o mundo ao redor do usuário, sua área
de trabalho, sua
escrivaninha, seu fichário, sua lixeira... Se a
lógica de uma escrivaninha é reproduzida no
computador, então quem a utiliza fora
do computador vai ter uma facilidade maior de
interagir com a máquina. Possivelmente o usuário,
assim como faz em sua mesa de
trabalho, irá, na tela do computador, colocar
algumas coisas de uma lado, outras de outro,
empilhar algumas janelas (assim como faz
com papéis), etc. Da mesma forma ocorre com a
lixeira. A lógica da lixeira, sendo reproduzida na
tela do computador, induz o
usuário a saber deletar (apagar) arquivos.
O sistema operacional de interface de linha de
comando causava um certo distanciamento com o
usuário. A interface gráfica trouxe o
usuário para perto da tela do computador, fazendo
com que ele "mergulhasse" na imagem digital. A
partir daí surge na tela do
computador um espaço com profundidade. O usuário tem
a percepção de que pode entrar nesse espaço, nesse
mundo virtual. Philippe
Quéau (1993) defende que atualmente existe a
proliferação de "imagens de síntese". O nicho onde
elas ocorrem é o mundo informático.
Esse tipo de imagem é diferente do até então
produzido pelo registro da luz feito pela
fotografia. A imagem a que ele se refere é a
binária, de computador. Essa imagem não é do mesmo
tipo que a obtida pela fotografia. A "imagem de
síntese" a que ele se refere é,
antes de tudo, linguagem. O computador/Internet é um
meio de comunicação que privilegia o layout e a
relação visual com o usuário.
A formação de um espaço se dá na imersão nas imagens
que se sucedem na tela do computador. É aí que o
meio de comunicação atinge o
status de lugar, de ciberespaço. Há a possibilidade
de "mergulho" nessas imagens disponibilizadas
virtualmente. Entendo que seja
nesse movimento que a simulação produzida na
interface gráfica adquire um poder de envolvimento
do usuário do computador/Internet.
Vamos pensar nas salas de bate-papo virtual (chat).
Chat
O chat é um sistema de comunicação com
especificidades e lógica própria. Ele simula o ato
de se estar em uma sala com outras
pessoas. Os criadores da interface gráfica
enfrentavam um dilema: ou tornavam os softwares
amigáveis e reproduziam tudo do mundo
real (até os defeitos e problemas) ou criavam uma
mistura entre algo que "lembrasse" o mundo
analógico, mas que na plataforma
digital tivesse uma lógica própria, que expandisse a
funcionalidade. A partir daí podemos pensar a
respeito dos chats de Internet e
como eles simulam a sociabilidade "real".
O ambiente de chat é formado pela página de Internet
que possibilita a interação entre os usuários do
sistema. Essa página é
composta geralmente por duas partes básicas: uma
"listagem" das mensagens compartilhadas entre os
diversos freqüentadores do chat
naquele instante11 e um "formulário" de envio de
mensagem escrita. Na listagem aparecem emissor e
receptor da mensagem. O resultado
é a composição de um texto coletivo no formato de
diálogos. Por exemplo:
Anjinho_puc fala com G@t@: legal vc's sempre fazem
esses encontros?
G@t@ fala com §°ANJO AQUARIANO°§™: e aí... me achou
mto feia?? (seja sincero!!)
§°ANJO AQUARIANO°§™ fala com G@t@: Ai guria tu é
gatinhaaaa
vocalista louco ICQ: onde é esses encontros ???
G@t@ fala com Anjinho_puc: foi a primeira vez q eu
fui em um encontro!
vocalista louco ICQ: gostaria de participar...
G@t@ fala com Anjo[ÐM]©: vc nem falou direito comigo
lah no encontro!:o(
O formulário geralmente é composto por: a) um campo
de preenchimento da mensagem escrita que será
enviada; b) o destinatário
(escolhido em uma lista que apresenta os usuários do
chat naquele instante - quem está conectado); c) o
modo de envio (se
"aberta"-visualização pública ou "reservada" -
visualização exclusiva do emissor e receptor); e d)
mecanismos performáticos
digitais padronizados12 que serão enviados agregados
à mensagem escrita. A imagem a seguir nos esclarece
sobre a interface do chat:

Existem outras modalidades de layout de chat. Cada
criador de chat (geralmente um provedor de Internet)
tenta produzir um ambiente ao mesmo tempo funcional
e agradável ao usuário. Porém é recorrente a
utilização do formulário na base da tela. Os dois
espaços (listagem e formulário) não se misturam. A
sua disposição lembra a tentativa de Elgelbart e os
primórdios das "janelas" digitais projetadas na tela
do computador.
Sociabilidade via Internet
No chat a comunicação é dinâmica e lembra a
conversação. A troca de mensagens ocorre rapidamente
entre emissores e receptores, o que se chama de
"tempo real", ou melhor, sincronia. A troca de
mensagens via e-mail, por exemplo, também pode
ocorrer em tempo real. Nesse caso é preciso que
alguém envie uma mensagem e alguém, imediatamente,
receba e leia essa mensagem. No entanto, o costume
aliado à modalidade do e-mail é de se utilizar a
assincronia. Isso significa que a mensagem é enviada
de um emissor a um receptor. Porém esse só irá tomar
conhecimento da mensagem em algum momento oportuno,
talvez no mesmo dia do envio, talvez em outro dia, e
assim por diante. A comunicação via Internet pode
variar entre os modos sincrônico e assincrônico.
Cada caso possui certas especificidades e propicia
um tipo de envolvimento social.
No caso do chat, quando a comunicação é sincrônica,
há a possibilidade de um tipo de envolvimento
semelhante à sociabilidade. Digo semelhante porque
não é do tipo clássico proposto, por exemplo, por
Georg Simmel (1996)e Alfred Schutz (1979). A
sociabilidade via Internet compartilha de alguns
pontos dessas teorias, porém possui especificidades
que devem ser respeitadas e nos propõem cunhar
um novo conceito, o de "sociabilidade virtual". As
características desse tipo de envolvimento social
são resultantes da principal característica do meio
em que a troca comunicativa ocorre: no meio virtual,
via on-line.
Para Georg Simmel os indivíduos sempre procuram
formar uma unidade - sociedade - de acordo com seus
impulsos. Esses impulsos formam o conteúdo. Essa
matéria ainda não é social. Somente é quando toma a
forma de uma sociação pela qual os indivíduos
satisfazem seus interesses. Ele argumenta que:
"Esses interesses, quer sejam sensuais, ou ideais,
temporários ou duradouros, conscientes ou
inconscientes, causais ou teleológicos, formam a
base das sociedades humanas" (Simmel, 1996, p. 166).
Segundo o autor, na sociabilidade há a reviravolta
entre o conteúdo gerador do encontro e a forma dele
transcorrer. A forma passa a determinar o conteúdo e
torna-se um valor supremo. A sociedade, que
significa uma agregação de indivíduos em embate uns
com os outros, gera os conteúdos ou interesses
materiais ou individuais. Por exemplo, os interesses
econômicos fazem com que os indivíduos se agreguem
em associações, irmandades, etc. Mas também está
presente um impulso de agregação (forma). Ele pode,
às vezes, sugerir os conteúdos concretos da
associação. A sociabilidade também está além das
realidades objetivas da vida real. Ela é um
"impulso" (forma) e não está atrelada nem
condicionada a motivações concretas (conteúdo,
matéria): "Isso nos dá uma imagem abstrata, na qual
todos os conteúdos se dissolvem no mero jogo da
forma" (Simmel, 1996, p. 169).
Para Alfred Schutz (1979) as pessoas agem em função
de experiências da vida cotidiana. Mesmo havendo uma
multiplicidade de "mundos" e "realidades", são
pessoas que buscam experiências significativamente
comuns no envolvimento do "nós" (face a face). O
envolvimento está sempre como uma possibilidade
objetiva, sempre atrelado a um desejo de
intersubjetividade. A partir do presente vivido um
indivíduo percebe o seu semelhante, o outro. A
interação social pressupõe a existência de uma
simultaneidade vivida. Essa simultaneidade abrange
tanto a percepção do outro enquanto pessoa, como a
percepção de seu pensamento. Existe um deslocamento
no tempo compartilhado, ao que Alfred Schutz se
refere como sendo um "envelhecermos juntos". Isso
significa que, da mesma forma que experimento a
consciência do outro no presente vivido, ele
experimenta a minha consciência.
A sociabilidade está condicionada à atos
comunicativos entre um "eu" que se volta aos outros
e os apreende como pessoas. Esse processo se dá a
partir da percepção do outro enquanto um corpo no
espaço que compartilha comigo um ambiente
comunicativo comum. "O ambiente comum de comunicação
pressupõe que a mesma coisa que me é dada 'agora'
(mais precisamente, num 'agora' intersubjetivo), com
um determinado colorido, pode ser dada a Outro do
mesmo modo, 'depois', no fluxo do tempo
intersubjetivo, e vice-versa" (Schutz, 1979, p.
161-162).
Em ambiente de chat é visível a relação simmeliana
entre conteúdo e forma. Os usuários de chat começam
a utilizar o sistema interessados em diversos
assuntos. Entre eles, prevalecem o combate ao
sentimento de solidão13 e a busca por participar de
uma coletividade, assim como a busca por
envolvimentos amorosos. Durante a comunicação com
outros usuários criam-se um conjunto de estratégias
que articulam diversos assuntos para sustentar a
interação. Nesse momento percebe-se a redução da
presença da variável conteúdo e aumento da forma.
Não importa sobre o que se irá bater papo. O
importante é estar interconectado e trocando
mensagens.
Podemos observar essa substituição de centro de
importância quando verificamos que os assuntos
tratados no momento de interação via chat são
efêmeros e fortuitos.
O que permanece inalterado é o desejo de trocar
mensagens, de estar ligado com algum outro usuário
por um canal de comunicação.
Isso ocorre tanto para aquele freqüentador eventual
quando para o regular, que está inserido em uma rede
de relações mais duradoura. No caso do interesse de
se envolver amorosamente, esse acaba ficando em
segundo plano em relação ao convívio com os demais
usuários. Os indivíduos acessam o chat e ficam ali,
trocando mensagens, batendo papo. Tudo parece, até
certo ponto, despretensioso, mas está latente o
desejo de "ficar" ou "namorar".14 Entretanto, para
não estar sozinho é preciso que o freqüentador entre
no jogo que existe na convivência em ambiente de
chat e apreenda suas regras e estratégias.
Em relação a elas, as principais que se manifestam
são o tipo de linguagem e a alternância entre
mostrar e esconder. Sobre a linguagem cabe colocar
que ela privilegia a iconografia, que é quando uma
palavra agrega tanto a dimensão visual quanto
sonora. A potencialidade fonética da comunicação
oral fica manifestada na comunicação escrita em
ambiente de chat. Da mesma forma que a visual. Ou
seja, a comunicação no chat se dá via significados
emitidos na maneira de redigir uma palavra ou
oração. Para isso são utilizados recursos,
principalmente o código alfa numérico. Sobre a
estratégia de conduta em chat me refiro ao jogo que
se dá no jogo entre os modos "aberto" e "reservado"
de comunicação.
Teclar15 "no aberto" ou "no reservado" indica a
disposição da pessoa. Manter um canal comunicativo
no modo aberto significa estar aberto à participação
de outros freqüentadores, mesmo que isso não seja
aceito com tanta facilidade na prática. Caso alguém
tente se intrometer na conversa de dois
freqüentadores de chat, o resultado pode ser inútil,
ele pode ser ignorado. A abertura está mais indicada
a quem pertence à rede que se forma na interação.
Alguém que converse no "aberto" indica com quem se
relaciona. Mostra a proximidade com algum outro
freqüentador e mostra em qual rede participa. Nesse
caso torna a conversa pública, assim como o laço de
amizade.
Entre freqüentadores que não estão inseridos em uma
rede de relações é mais comum a utilização do modo
reservado. A busca por envolvimentos amorosos está
bastante presente e é feita, nesse caso, por um
canal de comunicação discreto. Talvez porque evitam
divulgar o teor da conversa para os demais presentes
na sala. Utilizar o modo reservado pode ser também
um simples desejo de manter a conversa livre da
interferência de demais freqüentadores, mesmo que
ela não tenha um teor de envolvimento amoroso.
O que se pode afirmar é que a escolha pela
divulgação ou não da comunicação é apropriada
simbolicamente pelos freqüentadores do chat. Essa
escolha também comunica sobre a disposição do
indivíduo em ambiente de chat. Mesmo que se escolha
o modo reservado pela discrição, poderá haver a
interpretação de ser uma aproximação amorosa. A
opção pelo modo aberto ou reservado também passa
pela comunicação trocada na performance em ambiente
virtual. Geralmente é possível observar quem está
teclando no "reservado" quando alguém responde, no
modo aberto, a uma pergunta que não é possível
observar na lista de mensagens enviadas e recebidas
(na listagem). É sinal que a pergunta foi feita no
modo reservado, mas a resposta foi feita no modo
aberto. A comunicação aberta ou reservada pode
significar várias disposições, assim como as
piscadelas de Geertz (Geertz, 1989, p. 16).
Enquanto interagem no chat os usuários do sistema
percebem outros usuários e compartilham um mesmo
tempo transcorrido e um mesmo espaço de convivência.
Alfred Schutz (1979) trata da percepção do outro
enquanto um corpo no ambiente. Em ambiente de chat
não estão presentes os corpos dos humanos. Além
disso, o conceito de ambiente é diferente daquele
proposto por ele. A percepção do outro se dá pela
percepção de um usuário utilizando um nick16 e
trocando mensagens. O nick atinge o status de signo
e já começa a expor os "motivos afim de".17 Embora
vários usuários acessem o chat ao mesmo tempo, a
percepção do "nós" ocorre quando há a criação de um
canal de comunicação entre emissor e receptor da
mensagem.
O ambiente compartilhado passa a ser o da plataforma
do chat, que se materializa no layout que é
visualizado pelo monitor do computador. Não há um
contato face a face. Ao invés disso temos uma
relação "face a tela" que é intermediada via uma
interface visual de relacionamento. No chat não há o
contato schutziano de troca de olhares, de sutileza
e percepção do outro freqüentador.
Ao invés disso, há a criação de um espaço com alto
grau de interpretação, já que estão anuladas as
percepções sensoriais humanas. A interpretação gera
o descobrimento do outro. Falta a visão do corpo do
outro, falta ouvir o outro, falta sentir o toque do
outro e falta cheirar o outro. Todas essas faltas
criam a busca da descoberta do outro. Se na
sociabilidade de Alfred Schutz (1979), do contato
face a face, essa "descoberta" está presente, está
ainda mais na sociabilidade face a tela com falta de
utilização dos sentidos corporais. Essa descoberta
se dá simultaneamente. Os freqüentadores de chat
compartilham de um mesmo tempo transcorrido, o que
aproxima a idéia de existir um "presente vivido" e
um "envelhecer juntos".
Esses dois pontos da teoria schutziana somente são
possíveis na sociabilidade em ambiente de chat
porque há, nessa convivência, sincronia das
mensagens enviadas. Não é o caso da comunicação por
correio eletrônico. A comunicação feita pela troca
de mensagens via e-mail não propicia o fenômeno de
sociabilidade virtual. Na comunicação por e-mail (e
outros sistemas semelhantes) não há a geração de
simultaneidade. Nesse caso há assincronia. Também
não é o caso das "listas de discussão", que são
intermediadas por e- mail.
Por sociabilidade virtual devemos entender a
interação social realizada pela comunicação
sincrônica e com contato interpessoal mediado pela
tela do computador. Ela apresenta a mesma inversão
entre forma e conteúdo apresentada por Georg Simmel
(1996). O conteúdo de interesses que gera a
aproximação com outras pessoas dá lugar ao prazer de
se estar associado via imagem digital. No caso do
chat parece haver um processo de adequação da
técnica em favor da estratégia humana de estar
acompanhado (não estar só, interagir e socializar).
A sincronia é a mesma da comunicação oral, com curto
espaço de tempo na troca de mensagens. Enquanto o
emissor envia a mensagem o receptor já a está
decodificando, com uma diferença de tempo de
segundos. Existe um presente compartilhado. Em
sincronia uma pessoa testemunha a presença da outra
no seu mesmo tempo. Existe um imediatismo temporal,
da mesma forma que há um espacial (aquele da imagem
com profundidade projetada na tela do computador).
Entretanto, nesse caso o espaço que rodeia uma
pessoa não é o mesmo que rodeia a outra. O que há de
igual é a tela do computador por onde se visualiza o
ciberespaço.
O ciberespaço18 é composto por certas
características que o elevam de simples meio de
comunicação à espaço compartilhado. Nesse sentido,
talvez a característica principal seja a de
"deslocamento". O internauta percebe a Internet e
seu conjunto de sítios (sites) como sendo um campo
aberto ao trânsito. Ele pode estar em sua
residência, na frente de seu computador, ao mesmo
tempo em que freqüenta a biblioteca da universidade
ou então o grupo de amigos no chat que se encontra
regularmente em tal sala de bate- papo. O que há
realmente é um constante "fluxo".
A existência de uma rede organizada com constante
troca de informação cria um espaço simbólico de
trocas. Manuel Castells (1998, p. 408) entende que
com a Internet "as localidades se desprendem de seu
significado cultural, histórico e geográfico, e se
reintegram em redes funcionais ou em colagens de
imagens, provocando um espaço de fluxo que substitui
o espaço de lugares". Por "espaço de fluxo" o autor
entende que seja um espaço formado entre a origem e
o destino da comunicação em rede. Sendo assim,
existe uma comunicação, por exemplo, maciça entre
uma cidade A e outra B. Nesse canal de comunicação
há um espaço de fluxo.
O envolvimento
Quando o conjunto computador/Internet começou a
proliferar em Porto Alegre várias rotinas começaram
a ser alteradas. Era mais fácil, por exemplo, enviar
e receber arquivos digitalmente via e-mail. E essa
transformação, embora hoje pareça naturalizada, foi
extremamente significativa. No mundo empresarial a
presença dessa tecnologia facilitou a comunicação e
a troca de informações. Um orçamento de produtos e
serviços, por exemplo, que antes era no máximo
enviado via fax, com a Internet era enviado via
e-mail. Com isso o tempo para realizar essa tarefa
foi reduzido. Não era mais preciso imprimir e passar
o orçamento no aparelho de fax. Com a Internet o
envio era digital e imediato. Além disso, o receptor
da mensagem poderia ser múltiplo. Um emissor, com
uma única ação (envio de e-mail), poderia se
comunicar (enviar uma mensagem publicitária, por
exemplo) com várias outras pessoas.
Não faltariam exemplos de como o computador/Internet
foi sendo utilizado. Em cada segmento surgiu uma
nova maneira de utilizá-lo.
Na esfera acadêmica essa tecnologia facilitou a
obtenção de informações. Bibliotecas, publicações e
autores do mundo todo podem ser contatados
rapidamente via Internet. As tarefas de pesquisa se
tornaram relativamente mais fáceis e rápidas. A
relação entre colegas e entre professores e alunos
também se modificou. Via e-mail ou site eles podem
rapidamente trocar informações sobre aulas, cursos,
congressos e palestras. O que coloca uma outra
condição: ficou cada vez mais difícil participar do
mundo sem um computador/Internet.
Uma experiência que começou a se tornar cada vez
mais comum foi a interação virtual em ambiente de
chat de Internet. Como acontece de uma pessoa virar
freqüentadora de sala de bate-papo? Em um primeiro
olhar parece que estão fortemente presentes o
combate ao sentimento de solidão e a busca por
relacionamentos amorosos. Porém, não podemos
negligenciar que antes das motivações individuais
existem condições sociais propícias. Existe um
momento e as condutas individuais são fruto desse
panorama. O surgimento do freqüentador de chat faz
parte do processo de "novo tribalismo" (Maffesoli,
1987).
A familiarização com as máquinas, incluindo aí
televisão, telefone e computador, faz com que seja
algo natural conviver em ambientes virtuais. Existe
uma base, tanto tecnológica quanto cultural, que
suporta o cultivo da sociabilidade em ambientes
virtuais. Há cerca de cinco anos esse fenômeno ainda
causava certo estranhamento. De lá para cá cada vez
mais ele tornou-se banal, comum, diário e cotidiano.
Essa absorção é mais evidente entre as gerações
jovens e de classe média. Nelas a prática da
sociabilidade virtual mistura-se à vida cotidiana.
A interação social via chat disponibiliza algumas
facilidades para os indivíduos. A principal delas é
o conforto de poder estar em casa conectado ao
computador e poder conversar com outras pessoas,
interagir com a turma de amigos, fazer novas
amizades, namorar, etc. Diante de um controle do
anonimato, as manifestações individuais são
potencializadas em ambiente de chat (Jungblut,
2000).
Alguns freqüentadores ficam fascinados por essas
características. Além disso, devemos ter claro que o
ambiente de chat adquire o status de mais um outro
ponto de encontro na cidade de Porto Alegre.
Independentemente de estar no ciberespaço, o chat se
transforma em um local onde um segmento de pessoas
passa alguma parte do tempo do dia. Esse segmento
possui um perfil específico. Talvez fosse melhor
tratar de "perfis", ao invés de um perfil. Quando o
computador/Internet começou a se difundir na cidade
de Porto Alegre o perfil do usuário era mais
homogêneo. Quase dez anos atrás prevalecia um tipo
de usuário jovem, com alto poder aquisitivo e do
sexo masculino. Hoje em dia esse perfil tornou-se
mais heterogêneo. Embora ainda seja muito difundido
entre os jovens (entre 20 e 30 anos), o segmento com
mais idade também se tornou um grande utilizador de
computador/Internet e chat.
A associação entre chat e perfil do usuário é um
fator de grande importância. Dependendo do estilo de
vida do indivíduo haverá um tipo específico de
envolvimento com essa tecnologia. Vamos pensar a
partir de alguns exemplos. O usuário adolescente,
que geralmente acessa a Internet de sua residência,
provavelmente estará presente na sala de bate-papo
em um determinado horário.
Provavelmente será em um horário diferente daquele
da escola. O horário de acesso também será
resultante do tipo de conexão que ele utiliza, se
discada ou via cabo. No primeiro tipo se utiliza a
linha telefônica. Paga-se o equivalente a uma
chamada local. Acessar a Internet em horário
comercial, durante uma hora por exemplo, é muito
mais dispendioso do que acessar o mesmo tempo
durante a noite. Para esse perfil de usuário é comum
freqüentar o chat durante a noite, quando são
oferecidos pelas empresas de telefonia descontos no
preço da chamada.
A tecnologia do cabo ainda é um tanto dispendiosa.
Atualmente existem várias alternativas no mercado.
Há algum tempo o cabo ainda era raro e caro.
Atualmente, embora ainda um tanto dispendioso,
tornou-se mais popular e compete paralelamente com
conexão discada.
A principal vantagem do cabo está nele propiciar uma
conexão exclusiva a Internet (não utiliza a linha
telefônica), com maior qualidade no envio e
recebimento de dados (maior quantidade e velocidade)
e a um preço único. Nesse caso, independentemente do
acesso ser em horário comercial ou não, paga-se um
preço único ao final do mês. Essa tecnologia
tornou-se mais popular, primeiramente, no setor
empresarial. Porém logo foi disponibilizada a preços
mais acessíveis e incorporada ao uso domiciliar. Um
usuário que possua essa tecnologia irá acessar o
chat de forma mais independente do horário, tanto em
horário comercial quanto à noite.
Também existe o usuário de chat que o acessa de seu
local de trabalho. É aquele indivíduo que está
trabalhando e todo o tempo conectado.19 Se ele não
possuir computador em sua residência, então irá
acessar a Internet somente no horário comercial.
Dependendo dessas variáveis, principalmente local de
acesso e tipo de conexão, haverá a interação em
ambiente de chat de pessoas com perfis semelhantes e
em determinados horários específicos. Os
"trabalhadores" geralmente acessam do local de
trabalho, durante o horário comercial. Os
"estudantes" geralmente acessam durante a noite, de
suas residências, e assim por diante. Não existe
algum tipo de regra em relação a essas associações.
Cabe apenas pensar que existe uma forte e inegável
relação entre o perfil off-line do internauta e a
condição para estar conectado, on-line, no
ciberespaço, passível de ser encontrado por outros
internautas... ou em ambiente de chat ou em outra
forma.
A forma
Quando começam a freqüentar o chat os internautas
acabam criando laços na forma de rede. Existem os
casos em que a pessoa acessa eventualmente o chat e
os casos em que o acesso é regular. Nos dois tipos
de conduta há a formação de rede. Entre
freqüentadores regulares a rede é mais estabelecida
e se reproduz diariamente, com pouca variação. Os
freqüentadores eventuais criam laços pouco
estabelecidos, mesmo assim a cada acesso criam laços
com demais internautas, que estão regularmente ou
eventualmente na sala.
"Rede" é um conceito adequado para tratar da
organização social em meio urbano. J. Barnes (1987)
utiliza a "rede social" como um recurso analítico
capaz de dar conta de processos sociais onde a
conexão não se dá via limites de grupos e
categorias. Isso ajuda a identificar quem são os
líderes e quem são os seguidores. As redes sociais
são um sistema analítico mais frutífero em
sociedades contemporâneas e complexas. Em sociedades
tradicionais há falta de direção na transmissão da
informação. Os gráficos a seguir ilustram essas
situações:

Nesse caso, "Anjo", "Juliana Q" e "Escorpião Rei"
mantêm um contato quase diário na sala "Porto Alegre
A". "Aprendiz de Cafajeste", "Teddy", "Isa" e "Ani"
compartilham da mesma situação, porém utilizam a
sala "Porto Alegre B". São freqüentadores regulares.
Cada um também estabelece vínculos com demais
pessoas do chat. "Juliana Q" está regularmente na
sala, porém também acaba mantendo contato com outras
pessoas. "Escorpião Rei" costuma entrar na "Porto
Alegre A" e na "Porto Alegre B", mantendo vínculos
com pessoas dos dois ambientes.

Nesse outro exemplo temos a rede ampliada. Estamos
agora considerando os demais freqüentadores do chat:
os eventuais. Eles acabam se inserindo na rede. Esse
é o caso de "Ju_psicoPuc". Nesse dia "Juliana Q"
estava mantendo contatos na sala "Porto Alegre B".
Todo o dia a disposição gráfica da rede se modifica.
Porém os laços entre freqüentadores regulares tendem
a se repetir. São acrescentados os laços dos
freqüentadores eventuais. De qualquer forma, os
laços podem acabar sendo criados entre os vários
tipos de freqüentadores. O surgimento do
freqüentador de chat está estreitamente ligado à sua
inserção em uma rede. É quando ele começa a conhecer
melhor outras pessoas, troca confidências, cria
amizades, conversa e experimenta o sentimento de
grupo, de turma...
Os interesses
A apropriação e movimentação no espaço social criado
em ambiente de chat se dá em decorrência de um
perfil específico. A turma da "Porto Alegre B" do
provedor Terra tem um perfil. Ele é diferente
daquele da turma da "Porto Alegre A". Esse era
diferente ainda do pessoal da Conex.20 Em outros
chats existem turmas com características também
diferentes. Ainda no período de definição do grupo
que seria pesquisado fiz contato com a turma do chat
do provedor Terra "procura 30-40". Eram pessoas com
mais idade. Outro tipo de poder aquisitivo, outras
aspirações na vida e outra relação com o chat. Uma
turma de chat cultiva hábitos comuns que garantem a
ela a coesão necessária para atingir o status de
"grupo". As características básicas que propiciam o
encontro no chat são horário e dia da semana que
costuma acessar. No entanto, devemos lembrar que
essas duas variáveis são ainda resultantes da
combinação entre as acumulações de capitais
econômico e cultural do indivíduo.
Na Conex havia "os do dia" e "os da noite". Na sala
"Porto Alegre A" o contato foi feito mais
freqüentemente no período da noite.
Quem acessava naquele momento era um tipo de
usuário. Eles geralmente acessavam de casa, eram
estudantes, adolescentes e ainda sustentados pelos
pais. Suas estratégias na relação com o chat giravam
em torno de interesses desse segmento. A turma da
sala "Porto Alegre B" tinha um perfil. Os membros
dessa rede possuíam um estilo de vida que garantia a
eles compartilhar o mesmo espaço virtual de chat, no
mesmo momento. A partir daí existe uma condição para
a aproximação, o cultivo da sociabilidade e o
surgimento de uma "turma".
No caso da rede estabelecida na sala "Porto Alegre
B", a maioria dos seus membros acessava a Internet
do local de trabalho. O momento para o cultivo da
sociabilidade virtual era durante o horário
comercial. Para eles essa "quebra" das atividades
profissionais representava uma descontração e
desconcentração momentâneas. Além disso, servia para
preencher um sentimento de que muitas vezes se
queixavam: a falta de sociabilidade lúdica entre os
colegas de trabalho.
As dificuldades de uma interação lúdica mais intensa
era o argumento sobretudo usado por trabalhadores
que recentemente se deslocaram para fixar residência
na capital, provindos de cidades interioranas. Um
dos membros da rede da "Porto Alegre B", "Teddy",
havia há pouco saído de cidade natal (Erechim) para
estudar em Porto Alegre. E, ainda, tanto ele quanto
"Isa", outro membro da rede, compartilhavam de um
mesmo panorama do atual mercado de trabalho. No
ambiente de trabalho deles havia uma certa ausência
de colegas. A esse fenômeno se somava o do próprio
processo de trabalho atual (reengenharia), pela
redução dos postos de trabalho e busca da "qualidade
total". Isso significa que o empregado que antes
fazia certas funções agora desempenha tarefas de
cargos extintos. Nesses casos não existe uma "turma"
do serviço que compartilha momentos de sociabilidade
lúdica.
Para essa rede etnografada, o lazer cotidiano
consistia em acessar o chat do provedor Terra, sala
"Porto Alegre B", no horário comercial. Era possível
ver quase todos os membros diariamente interagindo.
Dos seus locais de trabalho que utilizam a conexão
via cabo, os entrevistados dizem ficar o tempo todo
conectados na Internet. Isso lhes possibilita
pequenos tempos-instantes de "fuga" das atividades
profissionais, entrar no chat e ir conversar com os
amigos virtuais. Alguns faziam isso várias vezes ao
dia, outros apenas algumas vezes. De qualquer forma,
acessar o chat e manter a comunicação diária com a
rede significava para eles pertencer a uma turma
que, nesse caso, possuía inclusive denominação: POA
B.
Dessa forma eles criavam para si um "pedaço" de
trocas sociais, no sentido proposto por José Magnani
(1984, 2000). O que nos possibilita tratar como
sendo o "pedaço da POA B". No pedaço há uma
preeminência das relações sociais e dos códigos e
símbolos comuns. Mudando-se o ponto no espaço, o
"pedaço", conceito cunhado por José Magnani, é
levado junto. A "mancha" (tempo-espaço) é fixa na
paisagem (Magnani, 1984). Ela oferece um conjunto de
práticas que envolve os seus usuários (por exemplo,
o caso do lazer).
Ela é um ponto de referência físico. Os dois não são
isolados. As pessoas transitam entre eles. Os
caminhos não são aleatórios.
Existem trajetos que ligam pontos dentro da mancha.
Através deles o pedaço é aberto ao âmbito público,
gerando um circuito (Magnani; Torres, 2000).
Além de cultivar momentos de sociabilidade virtual,
entrar no chat também possibilitava acessar momentos
de sociabilidade face a face em determinadas
"manchas" da cidade. Era quando a turma combinava um
"encontro" de seus membros em algum local da cidade.
Geralmente o local era escolhido a partir das opções
de lazer e boemia que são disponibilizadas
atualmente na cidade. A escolha seguia o próprio
perfil da turma: membro jovens, com idade média de
22 anos, trabalhadores com médio poder aquisitivo e
média escolaridade. Na cidade de Porto Alegre
existem locais, incluindo aí bares e casa noturnas,
destinados a tipos de público diferenciados. A POA
B, por possuir um perfil homogêneo e a partir de um
capital cultural e econômico específico,21 tratava
de "consumir" locais da cidade de acordo com essas
variáveis. Dessa forma, costumavam organizar
encontros da turma nos circuitos caracteristicamente
boêmios da "Lima e Silva" e da "Goethe".22
Não era o que acontecia, por exemplo, com a turma do
chat "procura 30-40 anos". Nesse caso a rede também
organizava "encontros" face a face em determinados
locais da cidade. No entanto eram outros locais,
destinados a um público dessa faixa específica de
idade e com poder aquisitivo mais elevado.
Pertencer à POA B também significava participar de
uma boemia porto-alegrense. Nesse caso considerando
explicitamente as vantagens da sociabilidade face a
face, em detrimento da virtual, que opera quase como
uma ferramenta de aproximação. Alguns membros da
rede residiam na região metropolitana de Porto
Alegre. Embora o provedor Terra disponibilizasse
chats sob o título de suas cidades, alguns usuários
preferiam interagir na sala intitulada "Porto
Alegre". Havia um desejo justamente nesse tipo de
convívio. Na Internet existem vários tipos de chat,
sob diversos rótulos: cinema, teatro, música, sexo,
profissões, religiões, etc. Cada um deles propõe
associar usuários com interesses semelhantes. Se,
por exemplo, acesso o chat "cinema", significa que
lá poderei conversar com alguém que também goste de
cinema, independentemente de nossa interação tratar
desse conteúdo. Nesse caso prevalece a forma do
contato (Simmel, 1996). O que nos remete ao caso de
Porto Alegre e de como a sociabilidade pode ser
busca a partir da identificação de pertencimento a
ethos e estilos de vida da cidade.
O caso estudado nos faz refletir sobre o encontro do
sentimento de comunidade diante da forte
globalização. Para Manuel Castells (1999) a
comunidade nunca deixa de existir, mesmo com o
movimento de urbanização das grandes cidades. Para o
autor, as redes sociais existem em todos os
contextos, mesmo na cidade e no subúrbio. Nesses
casos o que ocorre é a interseção de identidades
locais com outras fontes de significado e
reconhecimento local. Cabe aqui citar as próprias
palavras do autor:
O provável argumento dos autores comunitaristas,
coerente com a minha própria observação
intercultural, é que as pessoas resistem ao processo
de individualização e atomização, tendendo a
grupar-se em organizações comunitárias que, ao longo
do tempo, geram um sentimento de pertença e, em
última análise, em muitos casos, uma identidade
cultural, comunal. Apresento a hipótese de que, para
que isso aconteça, faz-se necessário um processo de
mobilização social, isto é, as pessoas precisam
participar de movimentos urbanos (não exatamente
revolucionários), pelos quais são revelados e
defendidos interesses em comum, e a vida é, de algum
modo, compartilhada, e um novo significado pode ser
produzido. (Castells, 1999, p. 79).
A partir desse ponto de vista podemos pensar em ser
a sociabilidade virtual cultivada via Internet um
tipo de movimento urbano que leva à formação de
comunidades. Elas podem sobreviver independentemente
de serem ligadas exclusivamente à Internet, ou à
relação face a face, ou uma combinação entre os
modos on e off-line de comunicação. No final das
contas a comunidade local de Porto Alegre, por
exemplo, em se tratando de jovens classe média,23
está combatendo a individualização e a atomização
praticando um vivência intermediada pelos
computadores.
Conclusão
Pesquisando a sociabilidade mediada por computador e
realizada via Internet, a partir de chat de
comunicação, percebi uma série de questões. A
principal delas talvez seja o estreitamento das
dimensões on e off-line, que marca a vivência dos
internautas. O chat adquire o status de lugar, como
se fosse um entre tantos outros pontos de encontro
da cidade.24 A vivência do indivíduo no ciberespaço
é tão dramática, emotiva e complexa quanto a
interação face a face. Além disso, a própria
interação face a face é desejada pelos internautas.
Em todo o momento ficou clara uma propensão que eles
têm de interagirem, a partir do encontro virtual em
chat, face a face em um segundo momento. E essa não
é uma questão que deva ser naturalizada e deixada de
lado. Se existe na representação simbólica dos
internautas uma aproximação entre modos on e
off-line de vivência, e uma busca, via Internet, do
encontro pessoal (compartilhando territórios da
cidade), então alguma coisa ocorre diferentemente do
até então pregado por alguns pesquisadores do tema.
A experiência brevemente trazida aqui nos faz
refletir sobre a estreita associação que atualmente
se processa entre computador/Internet e condutas
sociais. Um dos aspectos mais claros está
relacionado ao cultivo de um tipo de sociabilidade
que podemos denominar como sendo "virtual". Esse
conceito surge do encontro de determinadas
características. De um lado temos a presença de
práticas de sociabilidade ao "modo clássico", sendo
mantida pelo encontro face a face. De outro, está
presente a especificidade gerada por tal tecnologia:
a presença da interface gráfica como mediador do
encontro social.
Pesquisar tal panorama significa dar conta de um
fenômeno urbano. É quando o interesse de classe e a
busca por um consumo de estilo de vida passa por uma
apropriação da tecnologia digital. O
computador/Internet é apropriado como uma ferramenta
que proporciona a interação em forma de rede social,
seja na inserção em forma de turma com trocas
cotidianas virtuais, seja pela possibilidade de
cultivo de sociabilidade lúdica na freqüência a
espaços coletivos e públicos, como bares e praças em
circuitos urbanos. A prática do lazer e da
sociabilidade lúdica como a boemia passa por essa
dimensão. Retomando o importante conceito de Simmel
(1994)sobre sociabilidade lúdica para tratar do
fenômeno moderno, não é mais possível pensarmos
conceitualmente as relações sociais no contexto
urbano porto-alegrense sem dar conta das dinâmicas
promovidas pela sociabilidade virtual via Internet.
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