
O Sudário de Turim é um dos
artefatos mais estudados da história da ciência.
Centenas de milhares de horas foram gastas por
cientistas, historiadores e arqueólogos no estudo
dessa relíquia histórica, que muitos acreditam ser o
pano de linho comprado por José de Arimatéia e usado
para envolver o corpo crucificado de Cristo. Pessoas
mais céticas pensam que o Sudário nada mais é do que
uma falsificação muito bem feita, datada da época
medieval.
Quem tem razão ? Dois artigos recentes no Correio
Popular discutiram a evidência científica contra e a
favor dessa hipótese: o primeiro deles pela
psicobióloga Silvia Helena Cardoso, e o segundo pelo
médico Heraldo Vivarelli Curti, ambos da Unicamp.
Neste artigo, acrescento algumas informações não
apresentadas por aqueles articulistas, e que
certamente irão alimentar a controvérsia por mais um
pouco.
Com relação a isso, o certo é que, depois de séculos
de dúvidas e de ocultamento, a Igreja Católica
concordou, em 1978, em proporcionar à ciência uma
oportunidade para estudar, pela primeira vez, a
veracidade histórica do Sudário. Um grupo
internacional de cientistas foi formado, o STURP (Shroud
of Turin Research Project, Inc.) Depois de 120 horas
continuas de coleta de dados e meses de análise, a
conclusão principal da comissão foi de que o Sudário
seria uma fraude perpetrada por desconhecidos na era
medieval. Técnicas de datação usando radiocarbono
mostraram de forma inequívoca que o Sudário teria
apenas 600 anos de idade.
Um pesquisador americano, o Dr. Walter McCrone,
utilizando uma grande variedade de técnicas
físico-químicas e de microscopia de luz polarizada,
estudou as amostras do Sudário em 1979. Determinou
que a imagem, de cor sépia, é feita de bilhões de
partículas submicroscópicas pigmentadas (ocre
vermelho e vermelhão, um pigmento de mercúrio),
dissolvidas em uma têmpera de colágeno
(provavelmente parte da cola de origem animal que os
pintores medievais usavam para produzir tintas e
pergaminhos). Nenhum resquício de sangue foi
detectado nas amostras, embora algumas delas
estivessem em áreas da imagem indicativas de
sangramento. O ferro contido na hematita teria
enganado outros pesquisadores (o teste para
hemoglobina se baseia no fato de que ela tem ferro
em sua composição). Outro grupo de pesquisadores do
mesmo instituto empregou microdifração de raios-x e
de elétrons, que é uma técnica altamente precisa de
quantificação molecular, e achou apenas óxido de
ferro, hematita a sulfeto de mercúrio nas amostras,
o que corrobora a hipótese de que foram usados
pigmentos inorgânicos no Sudário. A conclusão
absolutamente científica e inescapável do Dr.
McCrone e sua equipe é que o Sudário é uma pintura
feita por um artista desconhecido por volta de 1356.
Os resultados de datação por técnicas de
radiocarbono feitas por três laboratórios
independentes em 1978 são coerentes com essa
proposta: o ano de 1355 para os estudos de
microscopia e de 1325 para a datação (com 98,5 % de
certeza).
A hipótese feita recentemente pelos pesquisadores da
Universidade do Texas, de que contaminantes
biológicos teriam alterado artificialmente a data
estimada para o Sudário, é ridícula, segundo muitos
pesquisadores especialistas nesta tecnologia. Seria
necessário um peso de fungos e bactérias quase duas
vezes superior ao peso do tecido do Sudário, para
promover uma mudança artificial de apenas 100 anos
na datação ! Claramente, isso é impossível. Além
disso, o próprio Cardeal de Turim, D. Giovanni
Saldarini, questionou publicamente a autenticidade
da amostra estudada pelos pesquisadores texanos, uma
vez que foi obtida "de segunda mão" através de
outros pesquisadores, e se recusou a reconhecer os
resultados dos experimentos. Aliás, é bom os
leitores saberem que a Igreja Católica não reconhece
oficialmente o Sudário como uma relíquia legítima de
Cristo, e que a primeira refutação pela Igreja
aconteceu já no século XIV, quando foi denunciado
como fraude por um bispo católico francês, que devia
conhecer o falsário e seus motivos, claramente
comerciais (ele cobrava entrada dos fiéis que
queriam venerar o manto).
Existem muitos outros dados a favor da hipótese de
que o Sudário é uma pintura. O estilo da imagem é
típico dos retratistas medievais (cabelo, barba,
etc.), e as medidas do corpo discordam bastante da
biometria normal humana. A cabeça é
desproporcionalmente pequena e os braços, que,
coincidentemente aparecem cruzados sobre a região
genital, quase alcançariam os joelhos, se fossem
esticados ! Experimentos feitos por Vignon em 1902,
com corpos reais e sudários feitos do mesmo
material, mostraram que o linho novo absorve muito
pouco a umidade do suor e do sangue, e que é
impossível obter uma imagem perfeitamente
bidimensional e não distorcida da face e do corpo,
onde aparecem, simultaneamente, todo o nariz, os
olhos, o bigode, a boca, a testa, a sobrancelha, os
cabelos e a barba, simplesmente através do contato
com um pano. A intensidade da imagem varia de acordo
com a distância do corpo do Sudário, sugerindo que
não houve contato direto entre ambos.
A idéia de que o Sudário representa uma evidência
histórica de Cristo é totalmente questionável. Mesmo
que fosse a imagem de um corpo torturado pela
crucificação, que provas existem que ele seria de
Cristo ? E porque esse importante Sudário somente
apareceu por volta de 1300 ? Onde estava ele antes ?
Apelar para "radiações misteriosas" que teriam
provocado a impressão do corpo na imagem é mais
bizarro e irracional ainda, pois leva a um
afastamento do debate científico. Seguindo essa
linha, qualquer coisa vale, como a hipótese de dois
autores norte-americanos, que acham que o Sudário
foi produzido telepaticamente por Leonardo da Vinci
(que nasceu 100 anos depois do seu aparecimento
!)...
Um tecido surrado, estreito e comprido que, entre
manchas envelhecidas de sangue e de tecido queimado,
forma a figura de um homem barbudo e despido de 1,83
metro de altura. A coroa de espinhos tem forma de
capacete, nas costas vêem-se as marcas de 39
chicotadas, os olhos estão cobertos por moedas do
Império Romano. Para os fiéis, não há dúvida: é
Jesus Cristo, que foi enterrado na mortalha, deixada
na tumba quando ele ascendeu ao céu. Para os
não-crentes, resta muita polêmica em torno da
autenticidade da maior relíquia do catolicismo.
Seria o Santo Sudário o símbolo verdadeiro da paixão
e ressurreição de Cristo ou uma farsa genial?
Um dos primeiros documentos que mencionam o sudário,
a carta enviada pelo bispo francês Pierre dArcis ao
papa Urbano VI em 1389, conta que o linho foi
pintado a pena. Por quase 500 anos, foi consenso que
o sudário não passava de fraude.
Em 1898, a imagem nítida do corpo estampado da
relíquia que surgia espantosamente no negativo do
fotógrafo italiano Secondo Pia voltou a levantar
polêmica. Em 1978, a Igreja submeteu seu tesouro ao
teste que denunciaria sua idade, a prova do carbono
14 - realizada pela Universidade de Oxford, pelo
Instituto Politécnico de Zurique e pela Universidade
do Arizona. O resultado não deixava dúvidas: o linho
foi feito entre 1260 e 1390. Não fosse o calor de
incêndios e fervuras que o manto passou em três
ocasiões, o teste do carbono 14 encerraria a
questão. Mas temperaturas elevadas afetariam a
precisão do teste do carbono 14 em 600 anos, como
afirmaram físicos da Universidade Harvard. Para os
defensores da sua autenticidade, a descoberta de
polens típicos da Palestina pode ter atrapalhado o
exame do carbono 14. Por isso é que muitos querem um
novo exame.
Para o físico inglês Toddy Hall, da Oxford, o pano
não tem a mais remota chance de ser da época de
Cristo. "É uma criação muito bem elaborada ou um
pano usado num funeral da Idade Média". Se for uma
farsa medieval, como indica o teste da idade, ela
foi perfeitamente calculada. Estudos mostram que as
marcas de chagas estão na altura dos pulsos - se os
cravos estivessem na palma das mãos, como nos
quadros que retratam a crucificação, a carne se
rasgaria. Os testes detectaram também a presença de
substâncias invisíveis a olho nu secretadas pelas
feridas, além de líquido pleural. São detalhes
anatômicos e fisiológicos que, aparentemente,
ninguém conhecia no século 13.
Renato Marcos Endrizzi Sabbatini é um biomédico, escritor e empresário brasileiro. Foi um dos fundadores da Sociedade Brasileira de Informática em Saúde e também presidente dela. Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica